A
França foi sacudida por duas tempestades nesta semana, a primeira – inevitável
e difícil de prever – foram ficaram conhecidas por Joaquim que com seus
fortíssimos ventos, que atravessaram a França de Leste a Oeste, deixaram
centenas de milhares de residências sem energia elétrica. A segunda tempestade
que atormentou a França nesta semana correu em sentido contrário e nos
tribunais parisienses. Esta segunda tormenta teria sido, caso a ética tivesse
sido feita presente, perfeitamente evitável, mas por sua falta, como já
prevíamos há uma dezena de anos, aconteceu. A segunda tempestade também
responde por um nome masculino, e muito mais afrancesado que Joaquim: Jacques
Chirac.
Para
quem ainda se lembra dos antigos Mitterrand e de Gaulle, Chirac está fresquinho
na memória, ele foi presidente francês entre 1995-2007 (o último do sistema
presidencialista, pois deste então a SarkoFrança adotou o
superpresidencialismo, o sistema no qual um super-herói é dono dos poderes
judiciário, legislativo e executivo) e inclusive já se fez presente aqui no
blog na Resenha sobre o filme Mort d’un
Président (aqui: http://francepo.blogspot.com/2011/11/dica-de-filme-mort-dun-president.html)
. No entanto, as acusações sobre Chirac não recaem sobre seu período como
presidente e sim no período que o precedeu, no qual ele foi prefeito de Paris
(cargo devidamente ocupado hoje pelo socialista Bertrand Delanoë). Tido como a
figura política preferida dos franceses, em pesquisas em meados de abril 2011,
o querido ex-presidente e ex-prefeito fantasminha (você já vai entender),
envolvido em diversos escândalos de corrupção, foi condenado nesta semana a
dois anos de prisão com sursis (uma artemanha do direito penal para que o
camarada mesmo preso não se sujeite a execução de pena privativa de liberdade).
Mas o que terá feito o simpático gaullista?
Os
tempos mudam: Do homem de palavra dos anos 80 restou uma condenação à dois anos
de prisão por corrupção
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Quando
esteve à frente da administração da capital francesa, a partir do belo Hôtel de
Ville de Paris, de estilo renascentista, Jacques Chirac (UMP) é acusado de ter
sido a peça central de um sistema de criação de empregos fantasmas na
prefeitura, de abuso de poder, desvio de recursos públicos e ingerência. Chirac
foi acusado de ter usado a máquina pública e ter desviado dinheiro da
administração local para o financiamento de sua campanha presidencial de 1995 (cuja
eleição ele venceu face ao socialista Lionel Jospin). O caso, no entanto,
remonta a 15 anos atrás, tempo suficiente (no Brasil seria assim) para se
perdoar o que foi feito, até porque se trata de um ex-presidente da República,
mas a inédita resposta do judiciário francês não foi esta: não houve blindagem
que deu certo (e a UMP tratou de encontrar muitas), doença que impossibilitasse
ou poder político que impedisse o veredicto: Jacques Chirac é condenado à
prisão com sursis por dois anos.
O inglês The Economist acusava a impunidade de Jacques Chirac (2001) |
Eu
sempre procuro dizer que política francesa e brasileira não são muito fáceis de
serem comparadas: ser socialista na França não é igual a ser socialista no
Brasil (eu quem o diga), a esquerda francesa é – no máximo – a centro-esquerda
brasileira, o sistema deles é
diferente, eles têm um
primeiro-ministro (além de ter o Sarkozy, ainda que nós tínhamos o Lula, e
aqui, os egos são equivalentes), etc. Mas não é que chegamos a uma coisa em
comum entre Brasil e França: a corrupção, uma velha conhecida dos nacionais da
terra do Sarney, da qual temos propriedade em falar, ou como diriam os franceses,
temos o savoir-faire. E como. Ainda
que tenhamos enormes diferenças em relação aos franceses, corrupção cá e lá, parece
(e é) a mesma coisa de sempre, e está aí Jacques Chirac e seus empregadores
fantasminhas para nos mostrarem.
Por as
acusações que levaram à condenação de Jacques Chirac remontarem a 15 anos no
retrovisor não poderia ser, portanto apenas uma simples revanche ao ex-presidente?
Ainda que possa ter sido, a chance é mínima. Sobre a condenação de Jacques Chirac
é importante ter em mente que a sua importância não se dá em função de sua
figura política de símbolo do gaullismo e da direita francesa, mas sim da
condenação de um ex-presidente que se aproveitava de sua impunidade penal para
escapar do rendez-vous que ele devia
aos juízes franceses. A condenação de Chirac tardou 15 anos a chegar em função
de diversos dispositivos armados por seu partido, a direitista UMP, seu estado
crítico de saúde e sobretudo a impunidade penal que gozam os presidentes, deflagrando
ainda a reforma necessária do estatuto penal do presidente (reforma na qual
François Hollande, candidato socialista, deverá se engajar) e sua impunidade
(no mais amplo sentido da palavra). Para concluir, com a independência do poder
judiciário (e do legislativo) a justiça, ainda que demore, é feita. Mesmo que
para um brasileiro isto soe a utopia, porque não tomar o caso Chirac como um
norte para que a nossa justiça julgue (e se verificada a acusação condene)
estes monarcas que condenam nosso país à corrupção e à miséria? É de se pensar.
Oscar
Berg,
Brésil,
le 20 Décembre 2011