quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Danielle Mitterrand : Uma vida militante !

O termo primeira-dama dos anos 80 não pode ser comparado com o termo atualmente aplicável, na mesma intensidade na qual Danielle Mitterrand, esposa de François Mitterrand, não pode ser comparada a nenhuma primeira-dama que a tenha sucedido. Ainda que Margareth Tatcher tenha ocupado um papel mais importante que Danielle Mitterrand na hierarquia política européia, talvez tenha sido a primeira-ministra inglesa a única mulher da época com posições tão fortes quanto Danielle no velho Mundo.
Esposa do grande François Mitterrand, Danielle, acompanhou seu marido por todo seu percurso político: desde seus primeiros passos como deputado da Nièvre até as duras campanhas presidenciais, sobretudo 1965 e 1974. Em 1981, quando assumiu o posto de primeira-dama francesa, Danielle Mitterrand inovou: já não era mais tempo de uma primeira-dama que não exprimisse suas opiniões como suas antecessoras. Portanto, mesmo no Élysée, Danielle Mitterrand não abandonou seu principal engajamento: a militância de esquerda. Como por vezes Danielle lembrava: antes de primeira-dama ela gostaria de ser lembrada como uma militante.

A garota apaixonada pelo fugitivo da Gestapo

Em 1981 no Château Chinon, na noite da vitória de seu marido. François Mitterrand dizia: “Danielle é minha consciência de esquerda”.

Criada em uma família socialista do nordeste francês, Danielle e sua família logo tiveram de deixar Verdun (mesma cidade da famosa batalha da II GM), pois seu pai, Antoine Gouze, membro da SFIO (Seção Francesa da Internacional Operária, precursor do PS de Mitterrand) não aceitou delatar os alunos e professores judeus da escola na qual era diretor. O fato provavelmente explique todo o futuro engajamento de Danielle pela autodeterminação dos povos e respeito às minorias. Já aos 17 anos, Danielle entrou no movimento da Resistência.
Já instalada na França de Vichy (parte “livre” da ocupação nazista na II GM) em Saône-et-Loire, Danielle conheceria o militar François Morland, o codinome de um certo François Mitterrand. Morland precisando escapar da Saône-et-Loire contou com o auxílio de Danielle para fugir de trem até a Bourgogne, nesta viagem os dois tiveram que interpretar o papel de dois namorados em viagem para desviar a atenção dos policiais no trem, no entanto, a mera interpretação tornou-se um romance, tanto que em 1944, quando da Liberação de Paris, François e Danielle se casaram.

A primeira-dama dos direitos humanos
Em resposta a revista brasileira VEJA, da qual ilustrou as famosas páginas amarelas em 11/01/1989, deixou claro que sua luta como primeira-dama continuava intocável em relação àquilo que sempre fez em vida:

Um dos principais engajamentos de Danielle Mitterrand e uma das razões porque ela continuará viva em nossas memórias é devido a sua atuação em relação a direitos humanos através da Fondation France Libertés que ela criou ainda durante sua passagem como primeira dama. É através da France Libertés que Danielle criará um relacionando muito forte com o Brasil, onde ela passou por diversas vezes, através de sua associação com a Pastoral da Terra e da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil). Uma das principais inovações da France Libertés da sra. Mitterrand é que a Fundação atua em contato direto com os beneficiários de suas ações humanitárias, no Brasil, por exemplo, a Fundação ouvia diretamente as comunidades das favelas.
                “Sensibilizar as pessoas é fácil e, devido a minha posição privilegiada, eu consigo passar a nossa mensagem. Os problemas que surgem é quando preciso colocar a mão no bolso. Como todas as outras organizações do gênero também enfrentamos dificuldades financeiras” (Danielle Mitterrand à revista VEJA/1989).

Qui veut faire taire Danielle?”
François Mitterrand nunca foi um sacré-homme, suas puladas de cerca renderam boas histórias aos journaleux franceses, no entanto, Danielle sempre ficou ao lado de seu marido e disse que ele encantava à todas as moças que passavam pelo Élysée e ela não tinha nenhum motivo para deixá-lo. No campo político, no entanto, a devoção de Danielle a seu marido talvez não tenha sido tão forte como no plano amoroso. Sempre considerada à esquerda de seu marido, a sra. Mitterrand não se importava de sempre evidenciar sua opinião, algumas atitudes controversas da primeira-dama quase compunham problemas diplomáticos aos franceses, como a ocasião na qual ela não consegue parar de rir em meio a execução do hino nacional na Colômbia e também suas relações amigáveis com o ditador cubano Fidel Castro e o subcomandante Marcos das forças do Exército Zapatista da Libertação Nacional, no México. Ao som da direita, muitos adversário políticos da sra. Mitterrand como o deputado da maioria Pierre Mazeaud declaravam abertamente: “Quem quer calar Danielle?” (“Qui veut faire taire Danielle?”)

Encontros com Fidel Castro (acima) e Dalai Lama ficaram a ponto de criarem problemas à Diplomacia Francesa. Poucos conseguiam separar a Danielle ‘militante’ da primeira-dama


O problema de Danielle Mitterrand é que muitos não souberam separar sua vida particular e portanto, de militante de esquerda, de sua posição como primeira-dama. Aliás, parece que os franceses tem dificuldade em aceitar isso, Carla Bruni parou sua agenda de shows após tornar-se primeira dama de Nicolas Sarkozy.
A vida militante de Danielle Mitterrand conheceu seu ponto final na última terça-feira (22/11/2011) em Paris, quando a ex-primeira dama, em função de uma séria anemia, deixava-nos. Hospitalizada desde sexta-feira (18/11/2011), Danielle estava em coma induzida desde segunda-feira no Hospital Georges-Pompidou e será enterrada no próximo sábado 26 Novembro, em Cluny (Saône-et-Loire) onde é a casa de sua família, distante, no entanto, do túmulo de seu marido, que repousa em Jarnac.
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Pouco conhecida e admirada pelos franceses em geral (não apenas os de esquerda) durante seu período no Élysée, é sobretudo após a morte de seu marido que Danielle Mitterrand recebe a atenção e a admiração devida dos franceses. Inaugurando uma nova era de primeiras-damas, de mulheres com voz na política e, sobretudo de um belo engajamento em direitos humanos, autodeterminação de povos excluídos e acesso à recursos naturais para as populações mais desassistidas, Danielle Mitterrand poderá ser lembrada sempre como uma grande militante.  

Oscar Berg,
Brésil, Le 23 Novembre 2011

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