sábado, 8 de outubro de 2011

Quem é quem nas Primaires Citoyennes


Até o momento pudemos desenvolver bastante o que são as Primaires Citoyennes e também como elas estão sendo organizadas, no entanto ainda não tivemos tempo de conhecermos cada um dos aspirantes a ser o candidato socialista para a eleição presidencial de 2012, sendo assim este post se dedica a esse objetivo:



Martine Aubry, a candidata da união dos socialistas

                Candidata natural dos socialistas a eleição presidencial Martine Aubry é Primeira-secretária do PS desde 2008, quando foi eleita através de uma conturbada eleição no Congresso de Reims face a Ségolène Royal com 50,04% dos votos.

                Quando Aubry assumiu o PS ela teve de enfrentar um partido extremamente dividido e desacredito, o PS vinha de três eleições consecutivas nas quais não havia conseguido eleger o presidente francês, em face a tantos problemas Aubry conseguiu reverter o PS aos bons ventos: vitória nas Eleições Cantonais de 2008  e 2011, Eleições ao Parlamento Europeu de 2009, Eleições Senatoriais em 2011 (a primeira vitória socialista na Vª República), etc.

                Frente a estes excepcionais resultados, ainda maiores frente ao clima de divisão pós-Reims, Aubry é a candidata natural dos socialistas em 2012, nas Primárias, Aubry tem se feito conhecer como uma candidata mais à esquerda do PS: defende a criação de um banco regional de investimento, taxação das transações financeiras, supressão de nichos fiscais e criação de 300.000 empregos do futuro aos jovens no setor público francês, etc.

                As pesquisas de intenção de voto apontam Martine Aubry sempre em segundo lugar nas Primárias Socialistas, atrás de François Hollande, em uma hipotética disputa presidencial, Martine Aubry teria 29% das intenções de votos (Sarkozy teria 22%) segundo a consultação IPSPS – Le Monde de 4 de Outubro. Provavelmente a frase que marcará a campanha de Aubry foi a sua investida sobre FH no último debate de 3 de Outubro: “Não se bate uma direita forte com uma esquerda fraca” (disponível no trecho abaixo)



François Hollande, o candidato normal

                François Hollande (FH) decidiu apresentar sua candidatura às Primárias do PS em meio a toda conturbação que sacudiu a França durante o caso Strauss-Kahn e as eleições cantonais na qual ele manteve-se como conselheiro geral da Corrèze. Na ocasião Hollande declarou que não havia se candidato para negociar ou figurar, mas para vencer a disputa. A um dia do primeiro turno das primárias, a declaração de FH parece prestes a se tornar verdade.



                A França de hoje enfrenta o problema do superpresidencialismo, um defeito da Vª República concebida em um espírito completamente gaullista: Nicolas Sarkozy, o atual presidente francês, abusa de seu poder político para colocar os franceses contra si, ele joga os trabalhadores contra os desempregos, os funcionários públicos contra os assalariados, os imigrantes contra os franceses, os jovens contra os mais velhos e assim por diante. Frente a este problema de falta de limites para a figura pública do presidente a França precisa urgentemente de um presidente normal, e não do presidente bling-bling. François Hollande entendeu o recado. Em uma de suas primeiras declarações o conselheiro geral da Corrèze se apresentou como o candidato normal (argumento igualmente importante na sua briga interna com Dominique Srauss-Kahn e Ségolène Royal, tidos como muito mediáticos).




                François Hollande elencou desde o início de sua candidatura às primárias uma prioridade: a juventude. Para FH o principal problema da França de hoje é a ameaça a qualidade de vida da juventude amanhã. No que ele chamou de Rêve Français, FH diz que o “sonho francês” (tradução livre) não é um sonho de crescimento econômico, mas um sonho de permitir que uma geração possa viver melhor do que a sua predecessora.



                Juntamente a juventude, FH tem baseado sua campanha principalmente na fiscalidade e impostos, na educação, na integração européia e no progresso ecológico. Ainda que na tenha sido o mais notável Primeiro-secretário do PS, François Hollande conquistou belas vitórias em seu mandato apesar da grande derrota nas eleições presidenciais de 2001 e 2007. Seu discurso, que está longe de ser de uma esquerda mole (une gauche molle) como atacou Martine Aubry, é o que mais anima os franceses de todos os espectros políticos a sonharem com a alternância em 2012 pois está suficientemente distanciado de uma esquerda ultrapassada e pragmática como são tachadas Aubry e Royal, de uma esquerda irrealizável como a de Arnaud Montebourg e mesmo assim não caiu em um discurso não-socialista pseudo sarkozysta de Manuel Valls ou ao discurso radical perdido no tempo de Jean-Michel Baylet.

                François Hollande é hoje o candidato da esquerda pluralista, que vai desde o social-democrata Pierre Moscovici ao ex-candidato comunista à presidência Robert Hue, mas é também o principal candidato dos centristas, que creditam aos socialistas a missão da alternância em 2012 face a falta de conteúdo de seus candidatos naturais (o desistente Jean-Louis Borloo e o enfraquecido François Bayrou), e dos desacreditados do sarkozysmo. Como disse o deputado presidente do grupo socialista na Assembléia Nacional: “François Hollande, esta é a minha convicção, é o presidente que a França precisa”´[1]

[1] Carta de Jean-Marc Ayrault aos franceses, disponível em seu blog:

Arnaud Montebourg, globalizar a cultura, desglobalizar a finança

                No Brasil, quando falamos em socialismo a primeira coisa que nos recorre é a extinta União Soviética e seus líderes que tanto fizeram e continuam a fazer a cabeça dos brasileiros, ou a Cuba, que ainda incita grande admiração por seus serviços públicos. Para grande parte dos brasileiros, socialismo e democracia são duas coisas insociáveis, propriedade privada então nem se o diga, por isso temos até hoje um grande problema ao discutir a política francesa, é corrente ganharmos olhares cruzados ao falar no Partido Socialista Francês, como se estivéssemos defendo a Ditadura do Proletariado de Lenin, a Revolução Cubana ou a stalinização da economia. Pura falta de conhecimento.

                Soa mais estranho ainda a um brasileiro a declaração a seguir: “Arnaud Montebourg é o único candidato antiliberal da Primária Socialista[2] conforme disse o filósofo ateísta Michel Onfray. Ou seja, segundo Onfray: Aubry, Royal, Baylet, Hollande e Valls não seriam antiliberais, mas seriam o que então?

                O Partido Socialista de hoje não é mais o mesmo de 1981, que quando da vitória de François Mitterrand fez os franceses conservadores temerem uma troca radical de sistema. Desde então, face ao fracasso do programa de Mitterrand de ruptura com o capitalismo, as privatizações e a austeridade do governo Chirac durante a primeira coabitação levaram os socialistas franceses a não aspirarem mais do que a regulamentar o sistema capitalista. Ainda que a afirmação antes de Michel Onfray não represente a verdade, apenas o eufemismo de um eleitor da Front de Gauche que votará nas Primaires Citoyennes, na eleição atual percebe-se claramente que apenas Arnaud Montebourg está engajado na mudança do sistema econômico, ao passo que Martine Aubry e Ségolène Royal defendem uma forte regulamentação do mercado financeiro, François Hollande fica em um meio termo, Jean-Michel Baylet não torna este um de seus principais desafios políticos e Manuel Valls se distancia muito do socialismo ao não deixar clara nem sua posição em torno dos nichos fiscais.

                  Voltando a Arnaud Montebourg, é interessante acompanharmos as suas ideias em relação a mudança de sistema: Montebourg defende uma desglobalização (la démondialisation) da finança internacional e uma troca de sistema em direção ao capitalismo cooperativo. Em relação a desglobalização, Arnaud Montebourg segue as ideias do cientista político filipino Walden Bello, em entrevista ao jornal francês Monde, o socialista declarou: “Economicamente e ecologicamente a globalização é um desastre pois ela sobrevaloriza as exportações. É necesário desta forma assumirmos um certo protecionismo como ferramenta para o desenvolvimento, tanto no norte como no sul”[3] Montebourg deseja primeiramente acabar com um grande número de práticas especulativas e a criação de uma taxa global para as atividades financeiras, ao contrário de seus colegas socialistas do pós-Mitterrand, Montebourg declara francamente que suas propostas em relação as finanças não são regulamentadoras, “são leis de segurança pública”[3]



                Dentre outras ideias, Arnaud Montebourg defende a entrada de assalariados nos conselhos de administração de empresas cotadas na bolsa de valores, constituindo um terço desses conselhos, a fim de realizar um contra peso ao poder excessivo dos acionários[4], a reforma das agências de notação e o desenvolvimento de crédito de auxílio ao sistema cooperativo.


                Estando ou não de acordo com as ideias de Arnaud Montebourg é necessário estarmos atentos a elas e termos a convicção de que o jovem deputado da região da Saône-et-Loire tem muita energia e pode estar escrevendo desde agora as diretrizes do novo sistema que há de substituir o atual, assim não podemos desejar nada menos à Arnaud do que sinceros votos de boa sorte neste seu engajamento pela mudança.

[2] Veja o texto original no blog de Michel Onfray
[3] Veja Le Monde.fr 20/11/2010
[4] Veja as 100 Propostas de Arnaud Montebourg

Jean-Michel Baylet, um radical de esquerda em meio aos socialistas


                A esquerda francesa passou por um longo período de transformação até os socialistas serem a sua primeira força a partir dos anos 80, antes deles já tinham sido os comunistas, a frente popular e os radicais-socialistas. Jean-Michel Baylet, o único não socialista na disputa das primárias, é um claro herdeiro do movimento radical de esquerda.

                Jean-Michel foi um dos fundadores do MRG (Mouvement de Radicaux de Gauche), movimento que surgiu após a cisão do Partido Radical (que investia tanto em uniões com os socialistas como junto aos conservadores)  em 1972 devido a ala esquerda deste partido decidir apoiar o Projeto Comum (possibilidade refutada pela ala direita do partido), que reuniria comunistas, socialistas e radicais de esquerda para a candidatura de François Mitterrand às eleições presidenciais de 1974. Desde 1996 Baylet é presidente do Parti Radical de Gauche, predecessor natural do MRG.

                A principal proposta de Jean-Michel Baylet para a designação do candidato do PS é em relação à União Européia, ele defende um federalismo europeu, único meio, em sua opinião, de salvar o euro e possibilitar a inédita governança européia. Quanto as demais propostas de Baylet, podemos encontrá-las em se livro L’Audace à gauche (A audácia da esquerda) (disponível gratuitamente online em seu site)[5] e também nos valores do Partido Radical de Esquerda[6], os quais julgamos interessantes de serem listados abaixo em uma tradução livre:

“- Laicidade:
Os radicais de esquerda crêem na virtude da laicidade, que constitui na verdade a pedra fundamental da filosofia radical. Os radicais defendem a neutralidade das instituições públicas – entre elas a escola – com relação as influências sociais, filosóficas ou de religiões, permitindo à cada um conservar suas próprias opiniões.
- Solidariedade:
A solidariedade ilumina a ação de todos os radicais. De uma ação social eles a constituem uma exigência moral. Ela deve ser adquirida pela livre associação e não por uma exigência. Para reforçar as ligações que devem existir entre a sociedade e o indivíduo, a política deve se inspirar na solidariedade como uma realidade intangível, inviolável e necessária.
- Humanismo:
O homem é a determinação, a finalidade e a justificativa de toda ação pública. O livre desenvolvimento de todas as suas possibilidades que dá um sentido ao progresso e justifica o esforço de uma reivindicação social deve guiar a ação pública.
- Tolerância:
O discurso de ação dos radicais se determina pela razão e pela tolerância. No centro do projeto radical floresce a ideia da reconciliação, sendo a reunião, a união, a missão dos radicais.
- Universalismo:
Os radicais possuem uma concepção subjetiva da nacionalidade, fundamentada na vontade livremente expressa em um futuro comum e não em critérios de língua, de religião ou de origens étnicas ou geográficas.

[5] Livro L’Audace à gauche, disponível em:
[6] Tradução livre dos Valores do Partido Radical de Esquerda, disponíveis em:

Ségolène Royal, para repetir 2012 de outra forma

                Talvez Ségolène Royal seja a candidata mais conhecida dos brasileiros que está disputando as Primaires Citoyennes, ela foi a candidata do PS em 2007, na última eleição presidencial, a da vitória de Nicolas Sarkozy.

                Apesar da derrota em escala nacional (a terceira seguida dos socialistas face à UMP, sucessora do RPR de Jacques Chirac), Ségolène Royal soube aproveitar a experiência de 2007 para se lançar como uma candidata preparada para uma nova investida presidencial, nestes cinco anos Ségolène obteve uma boa votação no Congresso de Reims (2008) para a presidência do partido (a qual perdeu para Martine Aubry por uma diferença de 102 votos em mais de 100 mil registrados) e através do seu site Désirs d’Avenir manteve contato com os franceses, na rede social Facebook, Ségolène mantém uma ampla vantagem sobre os outros adversários socialistas: possui 33 mil seguidores de sua página ao passo que François Hollande (até então segundo colocado nesta “disputa”) praticamente alcança a marca de 15 mil.

                Seus frutos, além dos acima descritos se encontram também em um excepcional mandato no governo da Região de Poitou-Charentes, ao qual foi reeleita em 2010 com 60% dos votos, voltadam principalmente a uma política ecologista, em sua região foi construída a primeira escola com energia auto-sustentável, em parceria com uma empresa local foi desenvolvido um automóvel elétrico, dentre outras iniciativas inovadoras.

No atual debate Ségolène é considerada como mais a esquerda do PS, ainda que declare que as coligações do Partido Socialista não devem compreender apenas os ecologistas ou a extrema esquerda, como também o centro humanista e a direita gaulista, “pois uma certa parte da direita perdeu esta tradição gaulista”´[7]. No ano em que a vitoria presidencial de François Mitterrand completou 30 anos, Ségolène Royal rapidamente procurou se mostrar como sucessora da política mitterrandista ao citar diversos ensinamentos dele em um encontro de campanha dois dias antes das comemorações oficiais do trigésimo aniversário do 10 Mai (dia da vitória de Mitterrand)[8]. Outra grande preocupação de Ségolène é em relação aos estrangeiros e aos povos dos territórios franceses, ela continua a ser uma fervorosa defensora do voto dos imigrantes nas eleições (em detrimento a outros candidatos mas rudes à proposta como Valls, Hollande e Aubry, que por vezes questionam tal proposta do Projeto Socialista defendendo por vezes o voto apenas de imigrantes da comunidade européia), em uma de suas últimas interações em seu site oficial, Ségolène Royal divulga uma carta aos franceses do Além-Mar[9], dos quais ela diz possuir uma ligação forte, pois viveu uma grande parte de sua juventude em um desses territórios (Ségolène é nascida em Dakar, Senegal, à época colônia francesa) e sempre esteve ao seu lado na luta pela diminuição do custo de vida.


Nas pesquisas, no entanto, Ségolène patina, aparece sempre na terceira posição, sem nenhuma condição de fazer sombra a François Hollande ou Martine Aubry, ficando na média de 10% das intenções tendo Arnaud Montebourg como adversário capaz de tirar o terceiro posto da ex-candidata à presidência. Em uma hipotética disputa presidencial, a situação de Ségolène é ainda pior, ela seria a única candidata socialista consultada que perderia a eleição para Nicolas Sarkozy e deixaria de fazer presença no segundo turno, ao passo que Hollande e Aubry, os outros candidatos pesquisados, aparecem sempre a frente e ganhariam a eleição (FH teria uma margem maior que a primeira-secretária do PS). Ainda assim, Ségolène Royal não é uma candidata a ser desconsiderada, ela possui uma capacidade de surpreender muito forte e sua grande rede de apoio na internet farão certamente ela deixar para trás a marca de 10% dos votos.

[7] Veja Le Figaro 17/07/2011
[8] Veja Le Point 08/05/2011
 [9] Para maiores detalhes acesse o site oficial de Ségolène Royal

Manuel Valls, pela esquerda que diz a verdade aos franceses

                Se há uma boa surpresa advinda das Primárias PS, ela é personificada por Manuel Valls: o jovem deputado, prefeito e presidente de aglomeração de 49 anos, que foi o primeiro candidato a declarar sua candidatura às primárias do PS, está conseguindo chamar muita atenção em torno de seu discurso realista, de uma esquerda que faz o possível e não mente aos franceses.



                O sucesso do discurso de Valls é tamanho que depois do primeiro debate das Primaires CItoyennes, realizado em 14/09/2011, ele viu as intenções de votos nele subiram alcançaram a margem de 7%, apenas dois a menos que a ex-candidata à presidência, Ségolène Royal alcançou nesta mesma sondagem[10]. O jornal inglês The Economist declarou seu apoio ao candidato da Éssone por se ele o único que porta os valores da esquerda moderna em detrimento aos ‘dinossauros do PS francês’ (leia-se François Hollande, Martine Aubry e Ségolène Royal que ainda mantém vivos a tradição mitterandista) [11]. Em seu último artigo sobre os socialistas franceses, o jornal mais uma vez apóia o jovem candidato, defendendo seu discurso de que os franceses devem acordar para a realidade, parar de reclamar dos outros e se empenhar na aplicação de um esforço comparável ao que foi feito no pós-guerra.

                O programa de governo de Manuel Valls foi resumido em seu livro “L’énergie du changement – L’abécédaire optimiste”  que apresenta cada letra do alfabeto como uma proposta, conforme podemos conferir abaixo em seu site oficial e se canal oficial no Dailymotion

                Manuel Valls se apresentou como um candidato jovem capaz, de refrescar os militantes socialistas com sua política realista e suas propostas plenamente realizáveis, no entanto falta a Valls um discurso que saia apenas do tangível, mas que atinja também aquilo que parece intangível, exatamente o que fez François Mitterrand na eleição que o conduziu ao Élysée em 1981. Ou seja, a sua aproximação com a direita e o centro, que está lhe fazendo ser conhecido pode ser a mesma que irá lhe distanciar de uma maior condição de disputar o Élysée, seja agora ou daqui cinco anos.Finalizo com as palavras do The Economist que, na mesma reportagem citada anteriormente diz que “Valls se tornou muito popular entre os franceses, mais nas primárias ele tende a ganhar pouco mais de 5% dos votos”[12].

[10] Veja artigo do Jornal 20 Minutes, publicado em 20/09/2011
[11] Veja artigo “Among the dinosaurs”
[12] Veja artigo “Generation Game” do Jornal The Economist


                

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