segunda-feira, 31 de março de 2014

Quem é Manuel Valls, o novo Primeiro ministro francês?

O péssimo resultado dos socialistas nas eleições municiais levou o Presidente François Hollande a demitir seu Primeiro Ministro Jean-Marc Ayrault e nomear o desconhecido dos brasileiros Manuel Valls ao posto. Conheça o novo premiê francês responsável a partir de agora de salvar os socialistas franceses.



O prazo de validade de Jean-Marc Ayrault a frente da chefia de governo já estava contado a muito tempo. No final do ano passado os rumores já eram grandes. Na época circulava o nome do ambicioso ministro do Interior (pasta de maior importância do governo, uma espécie de Ministério da Segurança Pública brasileiro) Manuel Valls e da prefeita de Lille, Martine Aubry. Ainda que eu apostasse já na época em uma troca de chefia a razão estava com um amigo militante socialista de La Rochelle que me confiou: “Jean-Marc Ayrault é muito fiel ao Presidente, é um bom cheval de bataille. Hollande está certo em mantê-lo”. Jean-Marc Ayrault, contudo, não resistiu ao grande choque da derrota do PS nas eleições municipais realizadas em 23 e 30 de março. Ao passo que em 2008, os socialistas foram os grandes vencedores dessas eleições, quatro anos mais tarde eles foram os grandes derrotados ao perderem cidades importantes como Niort, Reims, Saint-Étienne e Toulouse (a lista completa está no Le Monde) e, pior, em muitas cidades se tornaram a terceira força política graças ao surpreendente resultado da extrema-direita. Mesmo bastiões socialistas como no norte foram perdidos (ainda que Aubry tenha sido reeleita em Lille). Falando em bastiões, os comunistas também estão em choque com a derrota de Catherine Peyge (femme politique que tive o prazer de conhecer e por quem nutri uma grande simpatia) em Bobigny, cidade do subúrbio parisiense comandada pelos comunistas há um século!

Em face desse grande fracasso, François Hollande não teve outra escolha senão a de iniciar uma reformulação de sua equipe de governo, a começar por seu Primeiro Ministro muitos analistas políticos tendo indicado que a derrota socialista foi uma resposta à impopularidade do Presidente Hollande e não necessariamente um voto de desconfiança às administrações socialistas locais. De certa forma, a eleição local tomou ares de disputa nacional.

Quem é Manuel Valls?
Jovem, 51 anos, ministro do interior, deputado de Essone e prefeito de Évry e a partir de hoje Primeiro Ministro, Manuel Valls tem um bom currículo que o coloca em postos de sonhar com a presidência francesa já em 2017, o que preocupa muita gente a começar pelo Presidente em exercício François Hollande (ainda não se sabe se ele pretenderá brigar um segundo mandato). Manuel Valls já apareceu uma vez aqui no blog FrancePo quando das primárias do Partido Socialista nas quais ele terminou penúltimo colocado com 6% dos votos.

À época, Valls foi descrito como o plaidoyeur de uma política realista. Ainda que isso levasse os socialistas à se aproximarem dos centristas e mesmo da centro-direita, algo que preocupou muito os militantes socialistas à época mas, sejamos sinceros, após dois anos de presidência de François Hollande percebemos que esse é o menor medo dos socialistas agora. Vale ressaltar que Valls recebeu, em 2011, o apoio da influente publicação The Economist que o apresentou como o único portador dos valores da esquerda moderna em detrimento aos ‘dinossauros do PS francês’ (leia-se François Hollande e outros).

Expert do PS em questões de segurança pública, Valls foi nomeado por François Hollande quando de sua eleição ao Ministério do Interior em detrimento de ‘dinossauros do PS’ que sonhavam com o posto, como François Rebsamen que poderá agora entrar no governo. Em seu posto, Valls se envolveu em grandes polêmicas, mas se caracterizou como o campeão da opinião pública, sendo um dos políticos mais populares da França, algo raro em meio ao governo socialista acusado de não fazer nada para conter a crise.

É certo que Valls terá grandes desafios a sua frente e o primeiro deles será justamente negociar com o presidente os nomes de seus ministros. Personalidades socialistas batem a porta do governo como Ségolène Royal e Rebsamen, outros buscam mais espaço no governo como Stéphane Le Foll (agricultura), Pascal Lamy (cidade) e Najat Vallaud-Belkacem (direito das mulheres e porta voz do governo). Outros ainda lutam para manter seus postos, como Arnaud Montebourg (recuperação industrial) e Pierre Moscovici (economia e finanças). Valls e Hollande, agora juntos, terão que balancear as aspirações pessoais dos ministros com o recado das urnas. Algo nada fácil. Ainda, há algumas semanas os verdes declararam que não participariam de um governo com Valls em sua chefia. O bom resultado dos verdes nas eleições municipais (uma exceção na esquerda. Notável vitória em Grenoble contra os socialistas) aumentou ainda mais sua margem de manobra. É provável que Cecile Duflot (habitação) busque finalmente o ministério do meio ambiente. O atual ministro Philippe Martin, segundo o Nouvel Observateur, estaria preparado para deixar a pasta.

Para concluir, é possível que François Hollande tenha criado um belo problema para sua reeleição em 2017. Um desempenho positivo de Valls não recuperaria somente a pele do governo, mas também o lançaria como candidato natural à sucessão de Hollande ao passo que este estaria em condições de disputar um segundo mandato. O fato é que Hollande não teve outra escolha. Dentro os nomes à sucessão de Ayrault o de Valls era o que mais agradava: Hollande e Aubry não têm boas relações; Laurent Fabius (relações exteriores, político mais popular da França conforme recentes sondagens) já esteve no posto de Primeiro ministro na época de Mitterrand (1985-1986) e apresentou uma performance severamente criticada; Jean-Yves Le Drian (defesa) não encarna o espírito de mudança demandado pelos franceses; e Ayrault não teria nada de novo a oferecer. Prevaleceu a lógica e Manuel Valls foi nomeado para Matignon, o que pode decepcionar em especiais os militantes mais à esquerda do PS.

Oscar Berg
Montréal (Québec), 31/03/2014

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