quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

O que significa ser socialista?

Não é gratuitamente que escrevo este artigo, mas para começar 2012 – ano de provável vitória socialista na França – acredito que devo tornar público este pequeno esclarecimento, não espero fazer aqui nada no sentido de um novo Manifesto, apenas reforçar algumas posições que estão sendo esquecidas e merecem ser retomadas. Sem mais papo, afinal, o que é ser socialista?




Muita gente não entende. Muita gente critica. Poucos procuram entender. Sou Socialista. Como socialista? Afinal, andaria eu em um Lada, teria eu uma bandeira soviética no meu quarto, um pingente com a face de Stálin nas minhas roupas, ou uma estrelinha do PT? Participaria eu de atentados a bancos, a lojas do McDonalds, será que eu queimo bandeiras dos EUA? Não nada disso, primeiro, pois nada disso é Socialismo ou ajudaria a me tornar Socialista. A própria União Soviética não era Socialista, o PT não está nos levando ao Socialismo e o Lada não é um dos meus carros preferidos (e está longe disso). Mas o que é ser Socialista?

Primeiro, tire a URSS da cabeça. Respire. Tire Cuba também. Respire. Foice e martelo cruzado? Isso é comunismo, ok? Antes de chegarmos ao ponto nevrálgico, pegue uma folha. De ofício ou caderno (tanto faz, mas se for daquelas recicladas eu agradeço!) e comece a escrever: primeiro, vamos começar com uma frase determinante: Liberdade, igualdade e fraternidade (Revolução Francesa sim, ou você achou que nossas referências eram marxistas? E detalhe, de onde você acha que os marxistas-leninistas se inspiraram?) adicione, democracia, laicidade e República. A base está pronta, vamos desenvolver!

Liberdade ou igualdade? Que debate! Aliás, debate? Para nós, socialistas, liberdade e igualdade não formam um debate, mas compõe uma diretriz básica do Socialismo: liberdade e igualdade são inseparáveis, uma nunca será alcançada sem a outra, qual a igualdade possível sem liberdade e qual o valor da liberdade sozinha? Quando esta vem sozinha o único valor que carrega é aquele que Rosa Luxemburgo descreveu na seguinte situação: uma raposa livre em um galinheiro livre, como nos lembra François Mitterrand em seu livro “Aqui e Agora”(1980). A igualdade desejada pelos socialistas não é aquele que muitos de seus opositores vendem como igualdade socialista: a nossa igualdade está na igualdade de oportunidades, oportunidades seja de estudar, trabalhar, contribuir, evoluir (o famoso conjunto dito, vencer na vida, expressão perigosa, diga-se), a igualdade da qual os Socialistas falam é ao final, nosso conceito de justiça, ela mesmo um símbolo do alcance da igualdade. Por final, liberdade e igualdade conjuram juntas um terceiro valor socialista: a fraternidade. Ser fraternal é amar ao próximo, a rosa vermelha – grande símbolo do Socialismo – é uma imagem de fraternidade, de amor. Fraternidade é entender ao final, que por vivermos juntos, devemos nos preocupar com nossos próximos (daí a expressão camarada) e ao auxiliarmo-nos estaremos auxiliando ao todo, a sociedade (o contraponto de fazer tudo individualmente e alcançar o bem-estar comum, como diria Adam Smith e sua mão-invisível). Fraternidade é viver entre camaradas. Liberdade, Igualdade e Fraternidade, eis a Sociedade Socialista. E em uma sociedade fraternal, qual valor outro que a democracia é capaz de se propagar? absolutamente nenhum!

A Democracia é tanto um valor como um objetivo do Socialismo. A democracia não pára no poder de voto, em decidirmos nossos governantes. A democracia é uma escolha de vida, um destino! Tantas empresas, instituições, sindicatos, associações, clubes e partidos a democratizar! A valorização da democracia é capaz também de afastar todos os fantasmas do passado que ligavam algumas práticas tidas – erroneamente - como Socialistas, caso do autoritarismo, da perseguição e da violência, valores que  o Socialismo não só não prega, como engaja-se à lutar contra. A democracia, quando levada a fundo, logo transforma-se em justiça, respondendo a dois objetivos do Socialismo, a justiça e a emancipação do homem.

O que seria a emancipação do homem? Emancipar o homem é colocá-lo a frente das coisas, certamente a frente das finanças e da economia, mas também a frente do Estado. Neste momento de crise mundial, mas também crise da identidade Socialista, temos o momento ideal de reforçarmos ainda mais uma grande convicção: já experimentamos dois modelos de organização economia dentro da ordem capitalista, em um deles as finanças estiveram a frente do homem, no outro o Estado precedeu ao homem. Ambos são organizações falidas, eis a hora de experimentarmos o modelo Socialista: emanciparmos o homem para o colocarmos a frente da economia! Mas qual modelo econômico para o Socialismo?

Como bem definiu François Hollande1, futuro presidente socialista da França, em seu livro-candidatura Le Rêve Français, “o [partido] socialista reconhece a economia de mercado, mas é contra a liberalização da economia, pois devem prevalecer os valores de solidariedade, igualdade e reciprocidade sobre os critérios de rentabilidade”. Humanizar a economia não é de longe um objetivo da luta Socialista, uma vez que temos a convicção que não pode-se humanizar aquilo que não é humano. O objetivo do Socialismo neste campo é humanizar o mundo do  trabalho. Faz-se isso ao colocar o homem a frente do trabalho, e portanto da economia. Para colocá-lo a sua frente, há uma gloriosa fórmula: dominar o desenvolvimento, dominar a ciência, tornar as máquinas e equipamentos auxiliares do homem no exercício de seu trabalho e não formas de fazer prevalecer a exploração sobre o homem. A valorização do trabalhador também compõe a fórmula da humanização do mundo do trabalho, faz-se isso ao alcançarmos o dito “Estado do bem-estar social” (ou sua variante francesa État Providence), aumentar-se-á o valor do trabalhador articulado a uma diminuição das horas semanais de trabalho e a plena disposição das liberdades sindicais para associações de trabalhadores. O Socialismo não é no entanto inimigo do empreendimento privado. A força e o dinamismo da economia encontra-se, dentro setor privado, nas pequenas e médias empresas. Seu desenvolvimento será estimulado. O Socialismo não pode no entanto, se afastar de suas lutas históricas e uma delas responde ao fortalecimento das cooperativas de trabalhadores, forma de explorar a economia de mercado e não os trabalhadores, transformados em co-proprietários da empresa. A cooperativa é o último estágio da transformação Socialista do mundo do trabalho, fortalecendo neste meio a democracia e a fraternidade (liberdade para empreender, igualdade para trabalhar).

Qual a organização do Estado Socialista? Por ideal, o Socialista defende que tudo aquilo que seja público prevalece ao privado, em primeira instância isso quer dizer: devemos valorizar os bens comuns, públicos, que a todos pertencem e que todos deveriam poder usufruir. E quais bens o Socialismo identifica? A escola, a universidade, o hospital, a segurança, as estatais, o direito de ir e vir (rodovias e ferrovias, aeroportos e portos, etc), a cidade, a economia, os sindicatos. O uso e a responsabilidade destes bens a todas pertencem: a escola pública, o sistema de saúde público e o monopólio estatal são uma condição não apenas de alavancar o desenvolvimento, mas de dominá-lo. É uma condição não apenas de desenvolvimento social, mas de igualdade. Valorizar o que é público não interfere no direito da posse, da propriedade. O Socialismo Democrático não irá extinguir a propriedade privada, mas encerrar seu monopólio na sociedade onde todos sofrem conseqüências de atos individuais. Reformar para reorganizar a sociedade, libertar a sociedade e o Homem das engrenagens totalitárias do mercado e da finança que aprisionam sua criatividade, sua evolução, seu bem-estar. Neste cenário, não há outro modelo que o Republicano. O Estado Centralizado é também inimigo do Socialismo e a descentralização um meio para combatê-lo. Uma Federação por si só, contudo não corresponde à descentralização, em nada adianta criarmos estruturas federativas se os Estados e regiões pratiquem, eles mesmos, a centralização. Descentralizar é fazer a República presente em qualquer lugar que seja, do mais remoto cantão, ao mais perigoso subúrbio.

Ser socialista ao final é não abrir mão da liberdade para alcançar-se a igualdade nem o contrário. Viver como socialista é compreender a importância de vivermos entre camaradas, numa sociedade democrática e fraternal. Pensar como socialista é compreender o tanto que a guerra já nos afetou, é reconhecer seus estragos para construir uma grande comunidade integrada e pacífica. Trabalhar como Socialista é tomar conhecimento de que a economia está ao nosso serviço e não o contrário; ao pertencermos a uma empresa, um sindicato, uma instituição, temos o dever de levar a democracia a todas as entranhas desta organização e não aceitar nenhuma ameaça a justiça no meio de trabalho. Organizar o Estado Socialista é adotar o modelo Republicano, é valorizar os bens comuns, ditos públicos, este Estado não poderá ter outra organização que não a democrática, o Socialista a nada teme, e vislumbra-se na sociedade, pois de fato pertence a ela, por que temê-la? Adotar uma economia socialista é defender a iniciativa de pequenas e médias empresas, em articulação a um setor público forte, saudável e democrático; antes disso, no entanto, ter uma economia socialista é ter uma economia que responda ao desenvolvimento social, afinal além desta qual seria sua função? Por final, creer no ideal Socialista, é creer no futuro, no progresso, na justiça, no domínio do desenvolvimento e no dever imperativo de emancipar o homem. Acreditar no Socialismo é acreditar na promessa republicana e de justiça, de humanidade e de justiça, de emancipação e de laicidade, de paz e fraternidade! Viva o Socialismo!

[1] "Le Parti Socialiste reconnaît l'économie de marché, mais est un antilibéralisme économique, puisqu'il fait prévaloir les valeurs de solidarité, d'égalité, de réciprocité sur les critères de rentabilité, d'immédiateté ou de rareté." HOLLANDE, François. Le Rêve Français. Éditions Privat: Toulouse, 2011. Édition Numérique (E-book)


Brasil, 20/01/2012
Oscar Berg