quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Droit Devant

Sarkozy está de volta.

Nicolas Sarkozy, eleito presidente da UMP


                Existe uma música da banda quebequense Cowboys Fringants que diz o seguinte: « prépare toi petit garçon, elle sera longue l’expédition, et même si on n’en revient jamais vivant, Il faut marcher droit devant ». O nome da música é o mesmo deste post, ‘direto à frente’, e resume bem o que deve fazer o recém-eleito Presidente do partido União por um Movimento Popular (UMP), Nicolas Sarkozy, em sua estratégia de (re)conquistar o coração dos franceses.

            Stratégie é uma boa palavra para descrever os movimentos do ex-presidente francês. Discursos, aparições públicas, fotos na imprensa, absolutamente nada, foi feito sem pensar ou passou em margem da estratégia. Nem mesmo a anunciada aposentadoria da vida política francesa. Tudo se inscreve em uma minuciosa estratégia que, ao menos, na cabeça de Sarkozy é coerente e capaz de livrá-lo do título de ex-presidente impopular para coroá-lo “salvador da pátria”. Há dois séculos, Napoleão Bonaparte deixou o exílio na Ilha de Elba para conquistar a França por uma segunda vez. Sarkozy acredita que pode (e deve) fazer o mesmo.

            Em linhas gerais, a estratégia de Sarkozy começou já no anúncio de aposentadoria. Evidentemente que o objetivo não era deixar a política, mas deixar sua família política órfã de liderança (a qual en toute évidence caberia a ele), de modo que os militantes implorassem por seu “retorno” a vida política, legitimando este salto. Em um primeiro momento, tudo funcionou bem. A direita francesa, limitada aos postes (piada pronta) Jean-François Copé e François Fillon, ficou rachada após as brigas entre ambos pela presidência da UMP em 2012. Contudo, o tempo virou: Sarkozy viu seu nome envolvido em grandes denúncias de corrupção, as contas de sua campanha apresentaram um enorme déficit (colocando em causa até mesmo a saúde financeira da UMP) e um verdadeiro competidor surgiu: o ex Primeiro Ministro e prefeito de Bordeaux, Alain Juppé, outrora nomeado pelo Presidente Jacques Chirac como “provavelmente o melhor dentre nós”.

            Dotado de incrível lábia, Sarkozy contornou os problemas relacionados às denúncias de corrupção. Ainda assim, Alain Juppé continua a ser uma pedra no seu sapato. A revista L’express lhe concedeu o título de “O homem que quer salvar a direita” e as pesquisas de intenção de voto, por sua vez, o colocam como único candidato da direita capaz de se impor tranquilamente sobre Marine Le Pen (hoje a real adversária) e François Hollande. A volta de Juppé fez com que a primeira fase da estratégia de Sarkozy falhasse, ou seja, o ex-presidente não é hoje o líder incontestável da direita que ele esperava ser, et ce apesar de sua recente eleição a presidência da UMP.

Revista L'Express revelou os planos do salvador da direita francesa. Bons tempos em que se tinha acesso a mídia francesa em Montréal.


            A vitória eleitoral é minorada por duas razões. Em primeiro lugar, Juppé ficou de fora da disputa se resguardando para a única disputa que importa: a presidência francesa, em 2017. Já amado e odiado pela opinião pública, o prefeito de Bordeaux sabe bem que precisa se resguardar para que chegue ao final da maratona com chances de vitória (Hollande é o único outro político a ter plena noção disso). Assim, o confronto decisivo ainda deverá ser travado para que Sarkozy seja de fato lançado candidato da UMP à presidência francesa, portanto, rien n’est joué d’avance. Em segundo lugar, Sarkozy não venceu a eleição com um score “soviético” (como colocado pelo Le Monde) e viu o jovem Bruno Le Maire (antigo aliado de primeira hora) conquistar 30% dos votos. A juventude é um ponto forte de Le Maire, pois Juppé, cuja idade já ultrapassa os 70, pode não ter saúde necessária para bancar uma campanha presidencial e, em um dado momento, supõe-se que a questão da renovação do partido surgirá.

            Concluímos que vencer a presidência da UMP foi apenas um primeiro degrau da estratégia de Sakorzy já que tanto sua aposentadoria, como seu retorno político foram atos falhos (há quem diga que o livro da ex primeira dama Valérie Trierweiller no qual ela afirma que seu ex-companheiro François Hollande odeia os pobres e os chama de banguelas tenha sido o grande événement da temporada política francesa, até porque House of Cards ainda não estreou no Hexágono). Sarkozy ainda deverá provar que tem gás para se desprender da imagem que esculpiu em cinco anos de presidência e mostrar que seu arrependimento era verdadeiro e não somente um componente de seu marketing pessoal. O que é difícil de acreditar, pois já na noite da vitória seu comboio “presidencial” foi flagrado andando em faixas reservadas aos ônibus para fugir do trânsito parisiense. Arrependido? Peut-être. Bling-bling? Toujours.

            Em um âmbito mais expandido devemos nos questionar acerca do efeito positivo da eleição de Sarkozy para a direita francesa. Será que essa família ainda pode se salvar, conforme L’express sugeriu que Juppé fosse capaz? Essa pergunta ainda carecerá de respostas. A meu ver Sarkoz, na verdade, cria mais problemas do que resolve. A estratégia de retorno à la Napoleão não deu certo. Por uma simples razão. Ao passo que o baixinho córsego de fato se ausentou da vida pública francesa, o baixinho dos bairros chiques de Paris sempre esteve [omni]presente (até mesmo quando ele pretendia estar ausente). Ninguém até hoje sentiu falta de Sarkozy e o seu retorno nada mais é que o retorno daquele que nunca foi. Paradoxalmente quem poderá desfrutar mais da eleição de Sarkozy à presidência da UMP são seus adversários. Marine Le Pen torce por esmagá-lo nas eleições de meio mandato (assim como já vez nas eleições para o Parlamento Europeu). Hollande por sua vez torcerá para que os franceses coloquem seu adversário de 2012 no escanteio e que no segundo turno de 2017 os votos da UMP venham para ele no combate direto contra a extrema-direita, assim como os socialistas votaram em Chirac em 2002 contra o papai Le Pen. Como diriam os Cowboys do Québec, a expedição será longa e nem sempre voltaremos vivos.

Sarkô e Juppé, inimigos declarados


Oscar Berg
3 de dezembro de 2014.