sexta-feira, 15 de março de 2013

Habemus Austeritas


Milhares de manifestantes europeus se reúnem em Bruxelas para protestar contra a austeridade



Ontem, a declaração do cardeal francês Jean-Louis Tauran “habemus papum” fez a alegria de milhões de cristãos mundo afora e ecoou na lotada Praça de São Pedro.

Hoje, um pouco distante do Vaticano, mas ainda sob o mesmo continente, a expressão latina foi lembrada por milhares de manifestantes vindos dos 27 Estados Membros da União Europeia protestar no Parc du Centenaire em Bruxelas contra as políticas de austeridade implementadas pelos governos europeus. A secretária-geral da Federação Sindical belga FGTB anunciou “Habemus austeritas!” e ao longo de seu discurso anunciou o objetivo da manifestação pacífica que reuniu cerca de 15 000 manifestantes: “Nós estamos aqui para advertir o Conselho Europeu. Em cada Reunião de Cúpula, a situação dos trabalhadores é colocada em perigo.”

Nos dias 14 e 15, os 27 Estados Membros da UE se reúnem em Bruxelas para uma nova Cúpula do Conselho Europeu (Reunião dos chefes de Estado e de Governo dos membros da UE). Essa reunião é vista como crítica para os europeus, pois ela se insere em um contexto de impasse político na Itália após as últimas eleições legislativas, de agravamento da recessão nos países do sul e de início de campanha eleitoral na Alemanha que definirá o futuro político de Angela Merkel em setembro próximo.
Até a divulgação do resultado das eleições legislativas na Itália, que deram aos populistas Berlusconi e Grillo um número considerável de cadeiras no parlamento, a política de austeridade defendida pela chanceler alemã Angela Merkel foi implementada como receituário para a saída da crise. A passagem por um período de recessão seria inevitável para reequilibrar as finanças dos Estados e recuperar a competitividade de suas economias, o preço a pagar pelos excessos do passado. Contudo, esse receituário de A. Merkel começa a perder apoio em todo o continente, pois mesmo que seguido por países como Espanha, Grécia e Portugal ele não está os ajudando a enfrentar melhor a crise.

De acordo com resultados divulgados recentemente, a recessão em 2012 (queda de 3,2% do PIB) em Portugal é a pior desde 1975. Na Grécia, a queda do PIB nesse período foi ainda mais violenta - 6,2% - sendo o quinto ano consecutivo de recessão. A Espanha também se encontra em uma situação crítica, sobretudo, em função do forte desemprego no país, o que levou a classe dirigente espanhola a se afastar das obrigações fiscais acordadas junto aos parceiros europeus. De passagem por Bruxelas, segunda-feira, o ministro dos Negócios Estrangeiros, José Manuel Garcia-Margallo, advertiu os riscos de uma “austeridade excessiva” que “não vai contribuir na saída da recessão”.

Conforme podemos ver pela imagem abaixo, a situação europeia divide-se entre dois grupos: os bons e os maus alunos do receituário de A. Merkel, ou seja, aqueles que fazem esforços para reduzir o déficit fiscal e aqueles que não seguem a risca. Ainda assim, mesmo nos ditos “bons alunos”, como a Bélgica e até mesmo na própria Alemanha, a situação social não é muito superior em relação aos vizinhos europeus.

Previsão de Déficit Orçamentário para o ano 2013 nos países da Zona do Euro (em % do PIB)


Constata-se que a crise econômica europeia é também política, apesar de diversos manifestos como os realizados hoje em Bruxelas, não se impôs na Europa um receituário diferente daquele defendido por A. Merkel. Pelo contrário, os países europeus em pior situação fiscal recorrem a uma única ferramenta: a renegociação da data limite para reequilíbrio fiscal de 3% de déficit em relação do PIB. A esquerda europeia, oposição na maior parte dos países europeus atualmente, não convence os eleitores de sua capacidade de melhor solucionar a crise e a nova experiência socialista francesa, mesmo que não abrace a ideia da austeridade à moda de A. Merkel, falha em propor uma saída alternativa. Até o momento o principal recurso dos eleitores europeus, conforme a última eleição italiana, é o voto em políticos populistas que conspiram contra as instâncias comunitárias e propõe a saída da zona do euro como solução a crise, uma medida irresponsável mas que, em tempos de incapacidade da esquerda propor novas soluções e da direita tradicional defender com firmeza as ferramentas implementadas por ela, encontra um eleitorado cativo. Nesse cenário, nem mesmo uma possível derrota de A. Merkel para os Social-Democratas em setembro poderá provocar uma mudança importante na política europeia vis-à-vis do contencioso orçamentário.

Oscar Berg,
Le 14 mars 2013.

sábado, 9 de março de 2013

Para Ministro francês: “O mundo ganharia com ditadores como Chávez”


Veja algumas reações dos políticos franceses sobre a  morte de Hugo Chávez

Franceses simpatizantes de Chávez se reúnem em frente a estátua de Simon Bolívar para homenagear o líder morto

Victorin Lurel, ministro da França Ultramarítima, que representou o governo francês no funeral do Presidente Venezuelano, Hugo Chávez, recusou chamar o líder do Socialsmo Bolivariano de ditador: “Eu digo, e isto pode me ser censurado, que o mundo ganharia em ter muitos ditadores como Chávez, pois julga-se que ele tenha sido um ditador. Ele, por quatorze anos, respeitos os direitos humanos”, declarou às rádios RTL e Europa 1.

Victorin Lurel, Mnistro da França Ultramarítima, representou os franceses no funeral de Chávez
Continuando seu compte-rendu emocionado, o ministro francês afirmou que Chávez era ao mesmo tempo De Gaulle (militar francês, líder da Resistência externa na II Guerra Mundial e fundador do gaullismo, uma ideologia política francesa de direita) e Léon Blum (Primeiro socialista a ser nomeado chefe de governo na França): “De Gaulle pois ele Chávez mudou profundamente as instituições e então Léon Blum, quero dizer a Frente Popular [Partido de Esquerda que venceu as eleições de 1936 reunindo socialistas, radicais de esquerda e comunistas], porque ele lutou contra as injustiças.” 

Mesmo que o ministro francês classifique a prática de embalsamar o corpo do ex-presidente de pertencente “a outra época” (lembremos que Lênin é uma das grandes figuras embalsamadas mundo a fora), ele revelou ter ficado impressionado pela preparação do corpo de Chávez: “Ele parecia jovem, em ótimo estado, estava sereno, como podem estar as feições de alguém morto”. Ainda, segundo o ministro, via-se um Chávez “que não estava bochechudo, como se percebia desde sua doença”.

François Hollande celebra o líder que marcou a história da Venezuela
No dia da morte do líder Venezuelano, o presidente francês, François Hollande, enviou uma carta apresentando seus sentimentos ao povo venezuelano. Hollande declarou que “O Presidente morto exprimia além de seu temperamento e de orientações que nem todos concordavam, uma imensa vontade de lutar pela justiça e pelo desenvolvimento”. Para o presidente francês, Hugo Chávez “marcou profundamente a história de seu país”.

“Chávez nunca irá morrer”
Se François Hollande não repetiu a mesma emoção de seu ministro Victorin Lurel em seus comunicados, é um outro antigo postulante à presidência francesa, Jean-Luc Mélenchon, que reivindica uma forte ligação à Venezuela de Hugo Chavez.

A admiração de Mélenchon por Chávez começou quando o esquerdista francês participou do Forum Social Mundial em Caracas, em 2006 (Mélenchon era uma figura constante nos Fóruns realizados em Porto Alegre, e um nome conhecido da esquerda gaúcha). No dia da morte do líder Venezuela, Mélenchon – co-presidente da Frente de Esquerda, partido que reúne o PCF e o Partido de Esquerda, fundado por ele – organizou uma homenagem a Chavez nos pés da estátua de Simon Bolívar em Paris, ao curso da qual, Mélenchon declarou que “Chávez nunca irá morrer”.

Jean-Luc Mélenchon com Hugo Chávez (acima à esquerda) e discursando na noite de homenagens ao líder venezuelano em Paris (acima)

 A ambivalência do Chavismo se fez presente na homenagem. Se de um lado fez-se uma homenagem ao Presidente reeleito democraticamente por diversas vezes, que lutou pela igualdade, justiça e fim da miséria, a ligação de Chávez com ditadores do Oriente Próximo foi lembrada: em meio ao evento uma bandeira com de Bashar Al-Assad foi levantada por simpatizantes do regime de Damas, Jean-Luc Mélenhon precisou intervir junto aos militantes.


Militantes pró-Assad compareceram na noite de homenagens à Hugo Chávez

Esse evento representa a essência do chavismo: uma vontade incessante de lutar pela justiça social, defender os mais pobres e criar meios para que estes ascendam à uma vida digna, mas também uma ambivalência marcada pelo apoio à regimes ditatoriais e uma determinação em controlar os meios de comunicação venezuelanos. Como uma homenagem a Chávez, faço uso das palavras de François Hollande: Homenageio aquele Hugo Chávez que transformou seu país e lutando contra a pobreza, marcou profundamente a história venezuelana, sem, no entanto, concordar com todas suas práticas.

Oscar Berg
Le 9 mars 2013