quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

A França abalada

        
Manifestação na Praça da República, em Paris

      Passadas mais de 24 horas do atentado terrorista na redação do Charlie Hebdo se os franceses continuam em um perfeito estado de união nacional, os partidos políticos, por sua vez, tentam canalizar o sentimento de comoção em ganhos eleitorais. Nada de assustador para um país que está, desde o primeiro semestre de 2014, precipitadamente mergulhado na campanha da eleição presidencial que ocorrerá somente em 2017. Os movimentos dos partidos franceses dizem muito sobre as estratégias que serão mise en place na próxima campanha presidencial: de um lado teremos a Frente Nacional (FN) que poderá encontrar na situação atual da França um contexto perfeito para avançar seu discurso anti-imigrante, islã ou União Europeia, a tríade preferida de Marine Le Pen e se papa Jean-Marie. De outro lado, temos tanto o Partido Socialista (PS) como a União por um Movimento Popular (UMP) que perceberam desde já que caberá a apenas um deles confrontar Le Pen no segundo turno da presidencial de 2017, a exemplo do que ocorreu em 2002 quando Chirac contou com o apoio dos socialistas eliminados no primeiro turno contra a FN, e, portanto, devem dar mostras de suas capacidades de falar em nome da união dos franceses republicanos.
           
            As explicações da precipitação dos franceses em uma campanha eleitoral que deveria começar apenas em dois anos se encontram na própria situação política local. De um lado, François Hollande é abertamente contestado, contudo, de outro lado, a oposição oficial ao poder socialista, representada pela UMP, não inspira nenhuma confiança junto ao eleitorado francês. Acredita-se que apesar da agravação da situação econômica e social sob a presidência de Hollande, Nicolas Sarkozy não faria melhor, tendo sido ele o criador de muitos dos impasses que assolam hoje a França. É preciso dizer igualmente que a UMP está completamente desestabilizada em função de graves problemas financeiros e da disputa interna pelo poder (longe de ter encontrado seu capítulo final na recente eleição de Sarkozy a presidência do partido). Nesse cenário de crise das famílias políticas que representam desde o advento da quinta República – a República Gaullista – em 1958 os polos de poder, percebemos uma reorganização do tabuleiro político com a FN se tornando o “primeiro partido francês”, slogan cunhado por Marine Le Pen após a vitória de seu partido nas eleições europeias de maio de 2014.

Para Marine Le Pen, sua Frente Nacional é o primeiro partido da França.
Os acontecimentos de quarta-feira podem ajudar a extrema-direita francesa?


              A França se já não suficientemente abalada pelas consequências da barbárie do ataque terrorista de quarta-feira vive uma grave crise político-institucional cujo sinal flagrante é a precipitação do debate em torno da sucessão presidencial. Na conjugação destes dois cenários percebemos as condições para que se opere o reordenamento deflagrado pelos sucessivos sucessos da Frente Nacional, de onde se explicaria a excitação dos partidos políticos franceses. Dentre as possibilidades que se oferecem aos franceses, destaca-se, aquela da FN tornar-se, de fato, o maior partido do país, colocando sua candidata no segundo turno da eleição presidencial com chances de vitória; e a instauração de uma frente republicana com a união da direita e da esquerda parlamentar no segundo turno da eleição presidencial de 2017 para conter a escalada da extrema-direita. A escolha dos franceses dirá muito sobre a reflexão em torno do ataque de ontem e da resposta a ser dada ao terrorismo. De um lado há a proposta de combate ao fundamentalismo com mais intolerância e, de outro, uma defesa dos valores fundamentais da França, como a laicidade, alvo dos terroristas.

            Patrick Besson, em sua coluna na revista Le Point de 12 de junho de 2014 afirmou que “certamente Hollande será reeleito daqui três anos”. O jornalista imagina um cenário com Marine Le Pen com 24% dos votos no primeiro turno, Hollande com 22% ou 23% e Nicolas Sarkozy com 14% ou 15%. É evidente que a estratégia traçada por Hollande em 2012 (Reformas – Gestão – Resultados) não tem encontrado sucesso: a amplitude das reformas é criticada à esquerda e à direita; a sua gestão foi abalada pela explosão de escândalos envolvendo, dentre outros, a vida privada de François Hollande; e, finalmente, os resultados dificilmente serão atingidos, o prometido déficit de 3% em 2015, notadamente, não poderá ser alcançado e os franceses deverão esperar mais para o equilíbrio orçamentário. Contudo, Hollande ainda pode esperar ser reeleito. Muito mais que a recente reconciliação com a base socialista, uma resposta adequada aos trágicos acontecimentos que abalam a França poderá lançar o presidente como único capaz de falar em nome de todos os franceses, um papel essencial para vencer sob o nome dos republicanos, a extrema-direita fascista em 2017. Como previu Besson, todos estarão com Hollande para salvar, uma vez mais, a República.

Oscar Berg,

08/01/2015

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