Passadas mais de 24 horas do
atentado terrorista na redação do Charlie
Hebdo se os franceses continuam em um perfeito estado de união nacional, os
partidos políticos, por sua vez, tentam canalizar o sentimento de comoção em
ganhos eleitorais. Nada de assustador para um país que está, desde o primeiro
semestre de 2014, precipitadamente mergulhado na campanha da eleição
presidencial que ocorrerá somente em 2017. Os movimentos dos partidos franceses
dizem muito sobre as estratégias que serão mise
en place na próxima campanha presidencial: de um lado teremos a Frente
Nacional (FN) que poderá encontrar na situação atual da França um contexto
perfeito para avançar seu discurso anti-imigrante, islã ou União Europeia, a tríade
preferida de Marine Le Pen e se papa
Jean-Marie. De outro lado, temos tanto o Partido Socialista (PS) como a União por
um Movimento Popular (UMP) que perceberam desde já que caberá a apenas um deles
confrontar Le Pen no segundo turno da presidencial de 2017, a exemplo do que
ocorreu em 2002 quando Chirac contou com o apoio dos socialistas eliminados no
primeiro turno contra a FN, e, portanto, devem dar mostras de suas capacidades
de falar em nome da união dos franceses republicanos.
As
explicações da precipitação dos franceses em uma campanha eleitoral que deveria
começar apenas em dois anos se encontram na própria situação política local. De
um lado, François Hollande é abertamente contestado, contudo, de outro lado, a oposição
oficial ao poder socialista, representada pela UMP, não inspira nenhuma
confiança junto ao eleitorado francês. Acredita-se que apesar da agravação da
situação econômica e social sob a presidência de Hollande, Nicolas Sarkozy não
faria melhor, tendo sido ele o criador de muitos dos impasses que assolam hoje
a França. É preciso dizer igualmente que a UMP está completamente
desestabilizada em função de graves problemas financeiros e da disputa interna
pelo poder (longe de ter encontrado seu capítulo final na recente eleição de
Sarkozy a presidência do partido). Nesse cenário de crise das famílias
políticas que representam desde o advento da quinta República – a República
Gaullista – em 1958 os polos de poder, percebemos uma reorganização do
tabuleiro político com a FN se tornando o “primeiro partido francês”, slogan
cunhado por Marine Le Pen após a vitória de seu partido nas eleições europeias
de maio de 2014.
Para Marine Le Pen, sua Frente Nacional é o primeiro partido da França. Os acontecimentos de quarta-feira podem ajudar a extrema-direita francesa? |
A
França se já não suficientemente abalada pelas consequências da barbárie do
ataque terrorista de quarta-feira vive uma grave crise político-institucional
cujo sinal flagrante é a precipitação do debate em torno da sucessão
presidencial. Na conjugação destes dois cenários percebemos as condições para
que se opere o reordenamento deflagrado pelos sucessivos sucessos da Frente
Nacional, de onde se explicaria a excitação dos partidos políticos franceses. Dentre
as possibilidades que se oferecem aos franceses, destaca-se, aquela da FN
tornar-se, de fato, o maior partido do país, colocando sua candidata no segundo
turno da eleição presidencial com chances de vitória; e a instauração de uma
frente republicana com a união da direita e da esquerda parlamentar no segundo
turno da eleição presidencial de 2017 para conter a escalada da
extrema-direita. A escolha dos franceses dirá muito sobre a reflexão em torno
do ataque de ontem e da resposta a ser dada ao terrorismo. De um lado há a
proposta de combate ao fundamentalismo com mais intolerância e, de outro, uma
defesa dos valores fundamentais da França, como a laicidade, alvo dos
terroristas.
Patrick
Besson, em sua coluna na revista Le Point
de 12 de junho de 2014 afirmou que “certamente Hollande será reeleito daqui
três anos”. O jornalista imagina um cenário com Marine Le Pen com 24% dos votos
no primeiro turno, Hollande com 22% ou 23% e Nicolas Sarkozy com 14% ou 15%. É
evidente que a estratégia traçada por Hollande em 2012 (Reformas – Gestão –
Resultados) não tem encontrado sucesso: a amplitude das reformas é criticada à
esquerda e à direita; a sua gestão foi abalada pela explosão de
escândalos envolvendo, dentre outros, a vida privada de François Hollande; e,
finalmente, os resultados dificilmente serão atingidos, o prometido déficit de
3% em 2015, notadamente, não poderá ser alcançado e os franceses deverão
esperar mais para o equilíbrio orçamentário. Contudo, Hollande ainda pode
esperar ser reeleito. Muito mais que a recente reconciliação com a base socialista,
uma resposta adequada aos trágicos acontecimentos que abalam a França poderá
lançar o presidente como único capaz de falar em nome de todos os franceses, um
papel essencial para vencer sob o nome dos republicanos, a extrema-direita
fascista em 2017. Como previu Besson, todos estarão com Hollande para salvar, uma
vez mais, a República.
Oscar Berg,
08/01/2015
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