O péssimo resultado dos socialistas nas eleições municiais levou o Presidente François Hollande a demitir seu Primeiro Ministro Jean-Marc Ayrault e nomear o desconhecido dos brasileiros Manuel Valls ao posto. Conheça o novo premiê francês responsável a partir de agora de salvar os socialistas franceses.
O prazo de validade de Jean-Marc
Ayrault a frente da chefia de governo já estava contado a muito tempo. No final
do ano passado os rumores já eram grandes. Na época circulava o nome do
ambicioso ministro do Interior (pasta de maior importância do governo, uma
espécie de Ministério da Segurança Pública brasileiro) Manuel Valls e da
prefeita de Lille, Martine Aubry. Ainda que eu apostasse já na época em uma
troca de chefia a razão estava com um amigo militante socialista de La Rochelle
que me confiou: “Jean-Marc Ayrault é muito fiel ao Presidente, é um bom cheval de bataille. Hollande está certo
em mantê-lo”. Jean-Marc Ayrault, contudo, não resistiu ao grande choque da
derrota do PS nas eleições municipais realizadas em 23 e 30 de março. Ao passo que
em 2008, os socialistas foram os grandes vencedores dessas eleições, quatro
anos mais tarde eles foram os grandes derrotados ao perderem cidades
importantes como Niort, Reims, Saint-Étienne e Toulouse (a
lista completa está no Le Monde) e, pior, em muitas cidades se tornaram a
terceira força política graças ao surpreendente resultado da extrema-direita.
Mesmo bastiões socialistas como no norte foram perdidos (ainda que Aubry tenha
sido reeleita em Lille). Falando em bastiões, os comunistas também estão em
choque com a derrota de Catherine Peyge (femme
politique que tive o prazer de conhecer e por quem nutri uma grande simpatia)
em Bobigny, cidade do subúrbio parisiense comandada pelos comunistas há um
século!
Em face desse grande fracasso,
François Hollande não teve outra escolha senão a de iniciar uma reformulação de
sua equipe de governo, a começar por seu Primeiro Ministro muitos analistas
políticos tendo indicado que a derrota socialista foi uma resposta à
impopularidade do Presidente Hollande e não necessariamente um voto de
desconfiança às administrações socialistas locais. De certa forma, a eleição
local tomou ares de disputa nacional.
Quem é Manuel Valls?
Jovem, 51 anos, ministro do
interior, deputado de Essone e prefeito de Évry e a partir de hoje Primeiro
Ministro, Manuel Valls tem um bom currículo que o coloca em postos de sonhar
com a presidência francesa já em 2017, o que preocupa muita gente a começar
pelo Presidente em exercício François Hollande (ainda não se sabe se ele
pretenderá brigar um segundo mandato). Manuel
Valls já apareceu uma vez aqui no blog FrancePo quando das primárias do Partido
Socialista nas quais ele terminou penúltimo colocado com 6% dos votos.
À época, Valls foi descrito como o plaidoyeur de uma política realista.
Ainda que isso levasse os socialistas à se aproximarem dos centristas e mesmo
da centro-direita, algo que preocupou muito os militantes socialistas à época
mas, sejamos sinceros, após dois anos de presidência de François Hollande
percebemos que esse é o menor medo dos socialistas agora. Vale ressaltar que
Valls recebeu, em 2011, o apoio da influente publicação The Economist que o apresentou como o único portador dos valores da
esquerda moderna em detrimento aos ‘dinossauros do PS francês’ (leia-se
François Hollande e outros).
Expert do PS em questões de
segurança pública, Valls foi nomeado por François Hollande quando de sua
eleição ao Ministério do Interior em detrimento de ‘dinossauros do PS’ que
sonhavam com o posto, como François Rebsamen que poderá agora entrar no governo.
Em seu posto, Valls se envolveu em grandes polêmicas, mas se caracterizou como
o campeão da opinião pública, sendo um dos políticos mais populares da França,
algo raro em meio ao governo socialista acusado de não fazer nada para conter a
crise.
É certo que Valls terá grandes
desafios a sua frente e o primeiro deles será justamente negociar com o
presidente os nomes de seus ministros. Personalidades socialistas batem a porta
do governo como Ségolène Royal e Rebsamen, outros buscam mais espaço no governo
como Stéphane Le Foll (agricultura), Pascal Lamy (cidade) e Najat
Vallaud-Belkacem (direito das mulheres e porta voz do governo). Outros ainda
lutam para manter seus postos, como Arnaud Montebourg (recuperação industrial)
e Pierre Moscovici (economia e finanças). Valls e Hollande, agora juntos, terão
que balancear as aspirações pessoais dos ministros com o recado das urnas. Algo
nada fácil. Ainda, há algumas semanas os verdes declararam que não
participariam de um governo com Valls em sua chefia. O bom resultado dos verdes
nas eleições municipais (uma exceção na esquerda. Notável vitória em Grenoble
contra os socialistas) aumentou ainda mais sua margem de manobra. É provável
que Cecile Duflot (habitação) busque finalmente o ministério do meio ambiente.
O atual ministro Philippe Martin, segundo o Nouvel
Observateur, estaria preparado para deixar a pasta.
Para concluir, é possível que
François Hollande tenha criado um belo problema para sua reeleição em 2017. Um
desempenho positivo de Valls não recuperaria somente a pele do governo, mas
também o lançaria como candidato natural à sucessão de Hollande ao passo que
este estaria em condições de disputar um segundo mandato. O fato é que Hollande
não teve outra escolha. Dentro os nomes à sucessão de Ayrault o de Valls era o
que mais agradava: Hollande e Aubry não têm boas relações; Laurent Fabius
(relações exteriores, político mais popular da França conforme recentes sondagens)
já esteve no posto de Primeiro ministro na época de Mitterrand (1985-1986) e
apresentou uma performance severamente criticada; Jean-Yves Le Drian (defesa)
não encarna o espírito de mudança demandado pelos franceses; e Ayrault não
teria nada de novo a oferecer. Prevaleceu a lógica e Manuel Valls foi nomeado
para Matignon, o que pode decepcionar em especiais os militantes mais à esquerda do PS.
Oscar Berg
Montréal
(Québec), 31/03/2014
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