Na sua última edição (n° 2254, ano 35, n°5, dia 1° de fevereiro de 2012), a revista VEJA, revista semanal de maior circulação e repercussão do Brasil, agitou seus tambores e produziu sua primeira reportagem sobre a eleição presidencial francesa, há menos de 3 meses do primeiro turno. Face a afirmações imprecisas e incorretas, e a manipulação para que o leitor chegue a uma conclusão não-óbvia (e falsa), FrancePo torna público seu descontentamento com a falta de imparcialidade da principal publicação do país; acompanhe abaixo item a item o que VEJA publicou e o que é a verdade:
A) Uma imagem vale por mil palavras: Preste atenção nas fotos, a primeira mostra o candidato socialista (PS) François Hollande (que pelo cenário provavelmente tenha sido tirado durante o comício de Bourget - subúrbio parisiense - que reuniu 25 simpatizantes do candidato do Partido Socialista e do Partido Radical da Esquerda), a outra mostra o presidente francês Nicolas Sarkozym da direitista UMP (União por um movimento popular), provavelmente em mais um encontre de cúpula da UE, que não chega a propor soluções a crise da zona do euro.
Agora, analise a foto escolhida por VEJA para mostrar pela primeira vez ao Brasil o candidato socialista: a foto dá a impressão de ele estar sendo bombardeado por jornalistas com perguntas sobre a crise da zona do euro, dado ao aparente nervosismo de Hollande que a foto conseguiu captar; suas mãos abertas e a testa enrugada dão mostras que ele não está conseguindo convencer ninguém e nem a ele mesmo, tanto as mãos como a testa evidenciam também a incerteza, o vazio, a desconfiança. Os olhos arregalados não indicam que François tenha certeza daquilo que está falando, e que nem ele veja uma saída para a crise. As narinas mais abertas que o normal evidenciam que falta ar à François para continuar no debate, não conseguindo nem ele respirar face a inúmeras perguntas sobre a crise, a perda do triplo A, desemprego em massa, etc. A boca desta forma, aparece como uma cereja no bolo, dando a entender o tanto atrapalhado que ele está, contando mais mentiras sobre a situação da França. Segunda parte do exercício, como uma imagem vale por mil palavras, veja o vídeo abaixo do encerramento do discurso de François em Bourget e tire suas próprias conclusões. Provavelmente você perceberá que o que não falta ali é determinação, esperança, confiança e certeza.
Agora, analise a foto escolhida por VEJA para mostrar pela primeira vez ao Brasil o candidato socialista: a foto dá a impressão de ele estar sendo bombardeado por jornalistas com perguntas sobre a crise da zona do euro, dado ao aparente nervosismo de Hollande que a foto conseguiu captar; suas mãos abertas e a testa enrugada dão mostras que ele não está conseguindo convencer ninguém e nem a ele mesmo, tanto as mãos como a testa evidenciam também a incerteza, o vazio, a desconfiança. Os olhos arregalados não indicam que François tenha certeza daquilo que está falando, e que nem ele veja uma saída para a crise. As narinas mais abertas que o normal evidenciam que falta ar à François para continuar no debate, não conseguindo nem ele respirar face a inúmeras perguntas sobre a crise, a perda do triplo A, desemprego em massa, etc. A boca desta forma, aparece como uma cereja no bolo, dando a entender o tanto atrapalhado que ele está, contando mais mentiras sobre a situação da França. Segunda parte do exercício, como uma imagem vale por mil palavras, veja o vídeo abaixo do encerramento do discurso de François em Bourget e tire suas próprias conclusões. Provavelmente você perceberá que o que não falta ali é determinação, esperança, confiança e certeza.
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Agora, vamos a segunda foto: e que surpresa, ela mostra um presidente forte, conciso. Seus punhos fechados mostram a força com a qual a França vem enfrentando a crise, as pálpebras milimetricamente arregaladas evidenciam a determinação do Presidente em lutas pelo melhor dos franceses. Os olhos, mirando um lugar fixo, são uma prova da determinação e perspicaz de Sarkozy, o lugar que ele mira é a saída da Europa da crise, que ele e Angela Merkel juntos alcançarão. Mais uma vez vamos para a segunda parte do exercício, veja na imagem abaixo alguns dados do quinquenato de Nicolas Sarkozy.
Destaques:
*612 bilhões de euros em dívidas suplementares desde o início do mandato;
*Menos 750 mil empregos na indústria em 10 anos de governo da direita;
*1 milhão de novos desempregados em cinco anos;
*330 mil novos pobres em cinco anos;
*Nenhum excedente comercial em 10 anos de governo de direita;
*Déficit comercial de 75 bilhões de euros em 2011, recorde absoluto;
*Aumento de 107% do preço dos imóveis;
*80 mil postos de empregos suprimidos na Educação pública;
*24 novas taxas e 75 bilhões de euros em nichos fiscais.
Conclusão: VEJA utilizou-se do recurso da imagem para passar uma imagem falsa, e até invertida, dos dois candidatos. Procurou descreditar o determinado socialista e atenuar o fracasso da direita há dez anos no poder e de Sarkozy há cinco anos no Élysée.
B) Texto: VEJA x Realidade
"François Hollande era tido como o picolé de chuchu da disputa pela presidência da França"
Eu acompanho a mídia francesa (de Figaro a Libération, Le Parisien a Nouvel Observateur) e não vi em nenhum lugar alguém acusar Hollande de picolé de chuchu, nem mesmo nas páginas do L'Humanité, o jornal mantido pelo Partido Comunista. Aliás, o único lugar onde eu vi Hollande ser chamado de chuchu foi nas páginas de VEJA em 27/07/2011. A única crítica que havia em relação a Hollande era que ele não estava suficientemente à esquerda (uma crítica interna no PS), que caiu por terra com o comício de Bourget (levado à alma da esquerda).
"Ele só se tornou candidato do Partido Socialista depois que o preferido, o ex-diretor do Fundo Monetário Internacional (FMI) Dominique Strauss-Kahn, foi preso"
Um pouco de respeito e meritocracia à François Hollande caberia bem para a VEJA. François Hollande anunciou sua candidatura às Primárias Socialistas em 31/03/2011: "[...]j'ai décidé de présenter ma candidature à l'élection présidentielle à travers la primaire du Parti Socialiste"1 ("Eu decidi apresentar minha candidatura à eleição presidencial através as primárias do PS"), antes disso ainda, François já havia falado de sua vontade de concorrer em 2010 para a rádio RTL2 e em 23/03/2011 em entrevista ao jornal Échos que se ele se candidatasse às primárias seria para vencê-las. Sobre o mérito à vitória de Hollande, gostaria de ressaltar um outro ponto: após DSK sair da disputa, a candidata favorita era Martine Aubry, primeira-secretária do PS, que havia acordado com DSK que na impossibilidade de um concorrer o outro concorreria, disto concluímos que Hollande correu sempre por fora na disputa, uma vez que não é ligado a corrente dominante do PS. Outro fato que merece ser esclarecido: Dominique Strauss-Kahn já havia concorrido às primárias do PS em outra ocasião (2007) na qual perdeu a indicação para Ségolène Royal.Portanto, o que garantia que desta vez o chefão do FMI ganharia?
"[...] Nicolas Sarkozy, que tentará a reeleição no próximo dia 22 de abril"
Por mais óbvia que possa parecer a informação, ela está errada: Nicolas Sarkozy ainda não anunciou sua candidatura, e há setores de sua UMP que defendem que seu candidato seja o ministro de relações exteriores e assuntos europeus, Alain Juppé (ligado ao ex-presidente Jacques Chirrac, do qual Nicolas Sarkozy é desafeto) ou ainda o atual Primeiro Ministro, François Fillon, ambos têm índices de aprovação mais positivos que Sarkozy. Jean-François Copé, número 1 da UMP é um nome que corre por fora.
"segundo uma sondagem do instituto francês CSA, 31% dos eleitores pretendem votar no socialista, e 25% no presidente (na pesquisa anterior, Hollande ganhava por 29% contra 26%). Assustado com o avanço do adversário, dois dias depois Sarkozy apelou para a tática do tudo ou nada"
Mais que o leitor de VEJA, o leitor de FrancePo vem acompanhando as sondagens desde o processo de primárias do Partido Socialista, as Primaires Citoyennes, e sabe que François Hollande já esteve muito acima da casa dos 30% e conheceu nos últimos meses uma ligeira queda, a recente alta de Hollande deu-se com o retorno a pleno vapor da campanha (comício de Bourget), ou seja, a recente alta foi um retorno a um padrão que vinha sendo repetido nos últimos meses, o socialista acima dos 30%. Acompanhe na tabela abaixo, as últimas pesquisas do instituto CSA:
* Primárias do Partido Socialista/Partido Radical de Esquerda
**Sondagem após o Comício de Bourget
Assustado, é a última coisa que Sarkozy está, ele sabe muito bem que com 25% dos votos no primeiro turno pode muito bem sair vitorioso no segundo, isto depende de duas coisas articuladas uma à outra:
1) Uma pequena quantidade de votos das outras candidaturas de esquerda no primeiro turno (Jean-Luc Mélenchon, Partido da Esquerda/Partido Comunista; Eva Joly, Partido Verde; outras candidaturas menores: trotkistas, altermondistas, e outros) não daria um grande impulso a candidatura socialista no segundo turno, correndo o risco de repetir a eleição de 1995 na qual o socialista Lionel Jospin venceu o primeiro turno mas sem a força de outras candidaturas de esquerda perdeu o segundo turno para Jacques Chirac que ganhou o apoio do terceiro colocado, o centrista Édouard Balladur.
2) Votação expressiva das diversas candidaturas de direita, Dominique de Villepin, Christine Boutin, Frédéric Nihous, Nicolas Dupon-Aignan e Hervé Morin (creditadas entre 0,5 e 1,0% cada, o que pode render 5% à Sarkozy), do candidato do centro, François Bayrou (MoDem - 11% na última pesquisa CSA) e de extrema-direita Marine le Pen (FN - 17% na última pesquisa CSA) que tendem a ceder mais votos a Sarkozy que a Hollande no segundo turno.
Neste sentido, a declaração de Sarkozy de que se ele não ganhasse as eleições em maio ele abandonaria a vida política foi um golpe eleitoral. Baixo, diga-se de passagem.
C) Revendo conceitos
"O dilema Hollande"
Dilema: Situação embaraçosa com duas saídas difíceis ou penosas.
Respeitando o significado acima, trazido do dicionário, consigo me lembrar do Dilema do Prisioneiro, do Dilema de Segurança (das aulas de Introdução às Relações Internacionais) ou ainda do Dilema de Tecnologia (das aulas de teoria). Não consigo enxergar nenhum dilema por trás de candidatar-se, apresentar um projeto e debatê-lo. Em tempo, o título deve ser um resumo do conteúdo, assim não encontrei em nenhum lugar do texto que explique o que seria "o Dilema Hollande".
"O favorito à Presidência Francesa quer taxar os ricos para reduzir a dívida pública, mas só populismo não resolve"
VEJA precisa rever urgentemente seu conceito de populismo.
CONCLUSÃO
CONCLUSÃO
Ter um engajamento internacionalista, o que diferente de apenas ser um internacionalista - profissional de Relações Internacionais - significa lutar para que a solidariedade, democracia, liberdades e justiça sejam desfrutadas a nível mundial. Hoje, identifico que para alcançarmos isto, somado a igualdade em escala internacional, precisamos de políticos e políticas engajados nestas lutas, por isto do meu carinho e engajamento pela Internacional Socialista, pelo Partido Socialista Francês e sobretudo a François Hollande. Por mais bela que possa parecer esta ideia de igualdade a nível internacional, tenho plena convicção que existem muitos dispositivos com o objetivo de impedi-la e um deles é a mídia e seu poder de manipulação e condução da conscientização que ela exerce.
Antes que qualquer um possa lembrar que temos liberdade de expressão, que a mídia (felizmente) tem liberdade para falar sobre o que quiser, e que nós, leitores, temos plena liberdade de escolhermos o que queremos ler, e nesse sentido, VEJA dispõe de liberdade para publicar o que bem entender, procuro lembrar que a liberdade para a mídia, não é um fim, apenas um começo. Esta liberdade deve sr sempre seguida de imparcialidade, justiça e verdade, pois estes sim são meios-fim. Assim, lamento o exercício de manipulação que VEJA fez com a reportagem "O dilema de Hollande" ao passar uma imagem falsa e imprecisa da situação que a França vive hoje. Gostaria de ressaltar a gravidade disto, uma vez que a reportagem que trouxe muito mais uma opinião do que uma informação, ocorre exatamente na primeira reportagem da publicação mais importante do Brasil dedicada às eleições francesas, ou seja, bem no momento em que milhões de brasileiros tem o primeiro contato com François Hollande. Tudo isto é lamentável.
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Bônus
Pelo menos a cada 5 ou 7 anos, VEJA agita seus tambores para passar uma imagem imprecisa do Socialismo Francês, que já foi inclusive objeto de admiração e análise de nosso ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em "América Latina e o Novo Socialismo Francês (1982). Vamos rever abaixo algumas reportagens de VEJA sobre o PS:
*2011 - Primárias Socialistas: Ao invés de ressaltar o caráter democrático e inovador das primárias do PS, VEJA preferiu continuar acusando DSK de estupro e seguir a linha do jornalismo de revista de fofocas. Na única reportagem dedicada às primárias, VEJA chamou o então candidato François Hollande de chuchu. Para uma revista que defendeu Aécio Neves em sua capa em semana eleitoral, chamar François Hollande de insosso é falta de espelho nos escritórios do editorial.