Sarkozy está de volta.
Nicolas Sarkozy, eleito presidente da UMP |
Existe uma
música da banda quebequense Cowboys Fringants que diz o seguinte: « prépare toi petit garçon, elle sera longue
l’expédition, et même si on n’en revient jamais vivant, Il faut marcher droit
devant ». O
nome da música é o mesmo deste post,
‘direto à frente’, e resume bem o que deve fazer o recém-eleito Presidente do
partido União por um Movimento Popular (UMP), Nicolas Sarkozy, em sua
estratégia de (re)conquistar o coração dos franceses.
Stratégie
é uma boa palavra
para descrever os movimentos do ex-presidente francês. Discursos, aparições
públicas, fotos na imprensa, absolutamente nada, foi feito sem pensar ou passou
em margem da estratégia. Nem mesmo a anunciada aposentadoria da vida política
francesa. Tudo se inscreve em uma minuciosa estratégia que, ao menos, na cabeça
de Sarkozy é coerente e capaz de livrá-lo do título de ex-presidente impopular
para coroá-lo “salvador da pátria”. Há dois séculos, Napoleão Bonaparte deixou o
exílio na Ilha de Elba para conquistar a França por uma segunda vez. Sarkozy
acredita que pode (e deve) fazer o mesmo.
Em linhas
gerais, a estratégia de Sarkozy começou já no anúncio de aposentadoria.
Evidentemente que o objetivo não era deixar a política, mas deixar sua família
política órfã de liderança (a qual en
toute évidence caberia a ele), de modo que os militantes implorassem por
seu “retorno” a vida política, legitimando este salto. Em um primeiro momento,
tudo funcionou bem. A direita francesa, limitada aos postes (piada pronta)
Jean-François Copé e François Fillon, ficou rachada após as brigas entre ambos
pela presidência da UMP em 2012. Contudo, o tempo virou: Sarkozy viu seu nome
envolvido em grandes denúncias de corrupção, as contas de sua campanha
apresentaram um enorme déficit (colocando em causa até mesmo a saúde financeira
da UMP) e um verdadeiro competidor surgiu: o ex Primeiro Ministro e prefeito de
Bordeaux, Alain Juppé, outrora nomeado pelo Presidente Jacques Chirac como “provavelmente o melhor dentre nós”.
Dotado de incrível
lábia, Sarkozy contornou os problemas relacionados às denúncias de corrupção.
Ainda assim, Alain Juppé continua a ser uma pedra no seu sapato. A revista L’express lhe concedeu o título de “O
homem que quer salvar a direita” e as pesquisas de intenção de voto, por sua
vez, o colocam como único candidato da direita capaz de se impor tranquilamente
sobre Marine Le Pen (hoje a real adversária) e François Hollande. A volta de
Juppé fez com que a primeira fase da estratégia de Sarkozy falhasse, ou seja, o
ex-presidente não é hoje o líder incontestável da direita que ele esperava ser,
et ce apesar de sua recente eleição a
presidência da UMP.
Revista L'Express revelou os planos do salvador da direita francesa. Bons tempos em que se tinha acesso a mídia francesa em Montréal. |
A vitória
eleitoral é minorada por duas razões. Em primeiro lugar, Juppé ficou de fora da
disputa se resguardando para a única disputa que importa: a presidência
francesa, em 2017. Já amado e odiado pela opinião pública, o prefeito de
Bordeaux sabe bem que precisa se resguardar para que chegue ao final da
maratona com chances de vitória (Hollande é o único outro político a ter plena
noção disso). Assim, o confronto decisivo ainda deverá ser travado para que
Sarkozy seja de fato lançado candidato da UMP à presidência francesa, portanto,
rien n’est joué d’avance. Em segundo
lugar, Sarkozy não venceu a eleição com um score “soviético” (como colocado
pelo Le Monde) e viu o jovem Bruno Le
Maire (antigo aliado de primeira hora) conquistar 30% dos votos. A juventude é
um ponto forte de Le Maire, pois Juppé, cuja idade já ultrapassa os 70, pode
não ter saúde necessária para bancar uma campanha presidencial e, em um dado
momento, supõe-se que a questão da renovação do partido surgirá.
Concluímos
que vencer a presidência da UMP foi apenas um primeiro degrau da estratégia de
Sakorzy já que tanto sua aposentadoria, como seu retorno político foram atos
falhos (há quem diga que o livro da ex primeira dama Valérie Trierweiller no
qual ela afirma que seu ex-companheiro François Hollande odeia os pobres e os
chama de banguelas tenha sido o grande événement
da temporada política francesa, até porque House of Cards ainda não estreou
no Hexágono). Sarkozy ainda deverá provar que tem gás para se desprender da
imagem que esculpiu em cinco anos de presidência e mostrar que seu arrependimento
era verdadeiro e não somente um componente de seu marketing pessoal. O que é
difícil de acreditar, pois já na noite da vitória seu comboio “presidencial” foi
flagrado andando em faixas reservadas aos ônibus para fugir do trânsito
parisiense. Arrependido? Peut-être. Bling-bling?
Toujours.
Em um âmbito
mais expandido devemos nos questionar acerca do efeito positivo da eleição de
Sarkozy para a direita francesa. Será que essa família ainda pode se salvar,
conforme L’express sugeriu que Juppé
fosse capaz? Essa pergunta ainda carecerá de respostas. A meu ver Sarkoz, na
verdade, cria mais problemas do que resolve. A estratégia de retorno à la
Napoleão não deu certo. Por uma simples razão. Ao passo que o baixinho córsego
de fato se ausentou da vida pública francesa, o baixinho dos bairros chiques de
Paris sempre esteve [omni]presente (até mesmo quando ele pretendia estar
ausente). Ninguém até hoje sentiu falta de Sarkozy e o seu retorno nada mais é
que o retorno daquele que nunca foi. Paradoxalmente quem poderá desfrutar mais
da eleição de Sarkozy à presidência da UMP são seus adversários. Marine Le Pen
torce por esmagá-lo nas eleições de meio mandato (assim como já vez nas
eleições para o Parlamento Europeu). Hollande por sua vez torcerá para que os
franceses coloquem seu adversário de 2012 no escanteio e que no segundo turno
de 2017 os votos da UMP venham para ele no combate direto contra a
extrema-direita, assim como os socialistas votaram em Chirac em 2002 contra o
papai Le Pen. Como diriam os Cowboys do Québec, a expedição será longa e nem
sempre voltaremos vivos.
Sarkô e Juppé, inimigos declarados |
Oscar Berg
3 de dezembro de 2014.