Não é gratuitamente que escrevo este artigo, mas para
começar 2012 – ano de provável vitória socialista na França – acredito que devo
tornar público este pequeno esclarecimento, não espero fazer aqui nada no
sentido de um novo Manifesto, apenas reforçar algumas posições que estão sendo
esquecidas e merecem ser retomadas. Sem mais papo, afinal, o que é ser
socialista?
Muita gente não entende. Muita gente critica.
Poucos procuram entender. Sou Socialista. Como socialista? Afinal, andaria eu
em um Lada, teria eu uma bandeira soviética no meu quarto, um pingente com a
face de Stálin nas minhas roupas, ou uma estrelinha do PT? Participaria eu de
atentados a bancos, a lojas do McDonalds, será que eu queimo bandeiras dos EUA?
Não nada disso, primeiro, pois nada disso é Socialismo ou ajudaria a me tornar
Socialista. A própria União Soviética não era Socialista, o PT não está nos
levando ao Socialismo e o Lada não é um dos meus carros preferidos (e está
longe disso). Mas o que é ser Socialista?
Primeiro, tire a URSS da cabeça. Respire. Tire
Cuba também. Respire. Foice e martelo cruzado? Isso é comunismo, ok? Antes de
chegarmos ao ponto nevrálgico, pegue uma folha. De ofício ou caderno (tanto
faz, mas se for daquelas recicladas eu agradeço!) e comece a escrever:
primeiro, vamos começar com uma frase determinante: Liberdade, igualdade e
fraternidade (Revolução Francesa sim, ou você achou que nossas referências eram
marxistas? E detalhe, de onde você acha que os marxistas-leninistas se
inspiraram?) adicione, democracia, laicidade e República. A base está pronta,
vamos desenvolver!
Liberdade ou igualdade? Que debate! Aliás, debate?
Para nós, socialistas, liberdade e igualdade não formam um debate, mas compõe
uma diretriz básica do Socialismo: liberdade e igualdade são inseparáveis, uma
nunca será alcançada sem a outra, qual a igualdade possível sem liberdade e
qual o valor da liberdade sozinha? Quando esta vem sozinha o único valor que
carrega é aquele que Rosa Luxemburgo descreveu na seguinte situação: uma raposa
livre em um galinheiro livre, como nos lembra François Mitterrand em seu livro
“Aqui e Agora”(1980). A igualdade
desejada pelos socialistas não é aquele que muitos de seus opositores vendem
como igualdade socialista: a nossa igualdade
está na igualdade de oportunidades, oportunidades seja de estudar, trabalhar,
contribuir, evoluir (o famoso conjunto dito, vencer na vida, expressão perigosa,
diga-se), a igualdade da qual os Socialistas falam é ao final, nosso conceito
de justiça, ela mesmo um símbolo do alcance da igualdade. Por final, liberdade
e igualdade conjuram juntas um terceiro valor socialista: a fraternidade. Ser
fraternal é amar ao próximo, a rosa vermelha – grande símbolo do Socialismo – é
uma imagem de fraternidade, de amor. Fraternidade é entender ao final, que por
vivermos juntos, devemos nos preocupar com nossos próximos (daí a expressão camarada) e ao auxiliarmo-nos estaremos
auxiliando ao todo, a sociedade (o contraponto de fazer tudo individualmente e
alcançar o bem-estar comum, como diria Adam Smith e sua mão-invisível).
Fraternidade é viver entre camaradas. Liberdade, Igualdade e Fraternidade, eis
a Sociedade Socialista. E em uma
sociedade fraternal, qual valor outro que a democracia é capaz de se propagar?
absolutamente nenhum!
A Democracia é tanto um valor como um objetivo do
Socialismo. A democracia não pára no poder de voto, em decidirmos nossos
governantes. A democracia é uma escolha de vida, um destino! Tantas empresas,
instituições, sindicatos, associações, clubes e partidos a democratizar! A
valorização da democracia é capaz também de afastar todos os fantasmas do
passado que ligavam algumas práticas tidas – erroneamente - como Socialistas,
caso do autoritarismo, da perseguição e da violência, valores que o Socialismo não só não prega, como engaja-se à
lutar contra. A democracia, quando levada a fundo, logo transforma-se em
justiça, respondendo a dois objetivos do Socialismo, a justiça e a emancipação
do homem.
O que seria a emancipação do homem? Emancipar o
homem é colocá-lo a frente das coisas, certamente a frente das finanças e da
economia, mas também a frente do Estado. Neste momento de crise mundial, mas
também crise da identidade Socialista, temos o momento ideal de reforçarmos
ainda mais uma grande convicção: já experimentamos dois modelos de organização
economia dentro da ordem capitalista, em um deles as finanças estiveram a
frente do homem, no outro o Estado precedeu ao homem. Ambos são organizações
falidas, eis a hora de experimentarmos o modelo Socialista: emanciparmos o homem
para o colocarmos a frente da economia! Mas qual modelo econômico para o
Socialismo?
Como bem definiu François Hollande1, futuro
presidente socialista da França, em seu livro-candidatura Le Rêve Français, “o [partido] socialista reconhece a economia de
mercado, mas é contra a liberalização da economia, pois devem prevalecer os
valores de solidariedade, igualdade e reciprocidade sobre os critérios de
rentabilidade”. Humanizar a economia não é de longe um objetivo da luta
Socialista, uma vez que temos a convicção que não pode-se humanizar aquilo que
não é humano. O objetivo do Socialismo neste campo é humanizar o mundo do trabalho. Faz-se isso ao colocar o homem a
frente do trabalho, e portanto da economia. Para colocá-lo a sua frente, há uma
gloriosa fórmula: dominar o desenvolvimento, dominar a ciência, tornar as
máquinas e equipamentos auxiliares do homem no exercício de seu trabalho e não
formas de fazer prevalecer a exploração sobre o homem. A valorização do
trabalhador também compõe a fórmula da humanização do mundo do trabalho, faz-se
isso ao alcançarmos o dito “Estado do bem-estar social” (ou sua variante
francesa État Providence),
aumentar-se-á o valor do trabalhador articulado a uma diminuição das horas
semanais de trabalho e a plena disposição das liberdades sindicais para associações
de trabalhadores. O Socialismo não é no entanto inimigo do empreendimento
privado. A força e o dinamismo da economia encontra-se, dentro setor privado,
nas pequenas e médias empresas. Seu desenvolvimento será estimulado. O
Socialismo não pode no entanto, se afastar de suas lutas históricas e uma delas
responde ao fortalecimento das cooperativas de trabalhadores, forma de explorar
a economia de mercado e não os trabalhadores, transformados em co-proprietários
da empresa. A cooperativa é o último estágio da transformação Socialista do
mundo do trabalho, fortalecendo neste meio a democracia e a fraternidade
(liberdade para empreender, igualdade para trabalhar).
Qual a organização do Estado Socialista? Por
ideal, o Socialista defende que tudo aquilo que seja público prevalece ao
privado, em primeira instância isso quer dizer: devemos valorizar os bens
comuns, públicos, que a todos pertencem e que todos deveriam poder usufruir. E
quais bens o Socialismo identifica? A escola, a universidade, o hospital, a segurança,
as estatais, o direito de ir e vir (rodovias e ferrovias, aeroportos e portos,
etc), a cidade, a economia, os sindicatos. O uso e a responsabilidade destes
bens a todas pertencem: a escola pública, o sistema de saúde público e o
monopólio estatal são uma condição não apenas de alavancar o desenvolvimento,
mas de dominá-lo. É uma condição não apenas de desenvolvimento social, mas de
igualdade. Valorizar o que é público não interfere no direito da posse, da
propriedade. O Socialismo Democrático não irá extinguir a propriedade privada,
mas encerrar seu monopólio na sociedade onde todos sofrem conseqüências de atos
individuais. Reformar para reorganizar a sociedade, libertar a sociedade e o
Homem das engrenagens totalitárias do mercado e da finança que aprisionam sua
criatividade, sua evolução, seu bem-estar. Neste cenário, não há outro modelo
que o Republicano. O Estado Centralizado é também inimigo do Socialismo e a
descentralização um meio para combatê-lo. Uma Federação por si só, contudo não corresponde
à descentralização, em nada adianta criarmos estruturas federativas se os
Estados e regiões pratiquem, eles mesmos, a centralização. Descentralizar é
fazer a República presente em qualquer lugar que seja, do mais remoto cantão,
ao mais perigoso subúrbio.
Ser socialista ao final é não abrir mão da
liberdade para alcançar-se a igualdade nem o contrário. Viver como socialista é
compreender a importância de vivermos entre camaradas, numa sociedade
democrática e fraternal. Pensar como socialista é compreender o tanto que a
guerra já nos afetou, é reconhecer seus estragos para construir uma grande
comunidade integrada e pacífica. Trabalhar como Socialista é tomar conhecimento
de que a economia está ao nosso serviço e não o contrário; ao pertencermos a
uma empresa, um sindicato, uma instituição, temos o dever de levar a democracia
a todas as entranhas desta organização e não aceitar nenhuma ameaça a justiça
no meio de trabalho. Organizar o Estado
Socialista é adotar o modelo Republicano, é valorizar os bens comuns, ditos
públicos, este Estado não poderá ter outra organização que não a democrática, o
Socialista a nada teme, e vislumbra-se na sociedade, pois de fato pertence a
ela, por que temê-la? Adotar uma economia socialista é defender a iniciativa de
pequenas e médias empresas, em articulação a um setor público forte, saudável e
democrático; antes disso, no entanto, ter uma economia socialista é ter uma
economia que responda ao desenvolvimento social, afinal além desta qual seria
sua função? Por final, creer no ideal Socialista, é creer no futuro, no
progresso, na justiça, no domínio do desenvolvimento e no dever imperativo de
emancipar o homem. Acreditar no Socialismo é acreditar na promessa republicana
e de justiça, de humanidade e de justiça, de emancipação e de laicidade, de paz
e fraternidade! Viva o Socialismo!
[1] "Le
Parti Socialiste reconnaît l'économie de marché, mais est un antilibéralisme
économique, puisqu'il fait prévaloir les valeurs de solidarité, d'égalité, de
réciprocité sur les critères de rentabilité, d'immédiateté ou de rareté." HOLLANDE, François. Le Rêve Français. Éditions Privat: Toulouse, 2011. Édition
Numérique (E-book)
Brasil,
20/01/2012
Oscar
Berg